Divagações: J. Edgar

É extremamente complicado julgar as pessoas. Na verdade, eu diria que nem é certo fazer uma coisa dessas, embora seja inevitável. Por alg...

É extremamente complicado julgar as pessoas. Na verdade, eu diria que nem é certo fazer uma coisa dessas, embora seja inevitável. Por alguma razão, precisamos ter opiniões sobre as coisas. Temos (eu tenho, pelo menos) a necessidade de classificar em bom, mal, gosto, não gosto, consigo aturar, interessante, difícil, legal, chato e diversas outras categorias que consideramos relevantes para nosso próprio convívio social. Em uma biografia, o autor acaba passando seu ‘personagem da vida real’ através de seus próprios crivos, mesmo sem querer. Isso pode elevar o retratado ou rebaixá-lo, sempre em diferentes graus. Até mesmo Clint Eastwood, diretor de J. Edgar, está sujeito a julgar seu personagem – ainda bem que ele sabe disso.

Antes de falar do filme, um pouco de história. J. Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) foi o rosto que representou o cumprimento da lei nos Estados Unidos entre as décadas de 1920 e 1970, quando faleceu. Ele criou o FBI, garantiu a autonomia desse órgão e manteve seu poder. Justamente por isso, ele era temido e admirado ao mesmo tempo. Afinal, ele guardou segredos – próprios e dos outros – para construir sua carreira. Hoover lutou contra o comunismo e os gangsteres, viu a ascensão e a queda de muitos políticos e modernizou as investigações policiais, criando um banco centralizado de impressões digitais, montando laboratórios e valorizando a análise de evidências encontradas nas cenas de crime.

Assim, o filme retrata um jovem brilhante e com grande potencial que se transforma em um adulto determinado, vaidoso, competente e exigente. A isso seguem os caminhos da vida e seu gradual envelhecimento, marcado por uma boa maquiagem e uma barriga crescente. Indo e vindo no tempo, o filme constrói uma narrativa que expõe o personagem aos poucos. Além de mostrar a vida profissional, também dá destaque para seus relacionamentos com sua mãe, Anna Marie Hoover (Judi Dench); sua secretária pessoal, Helen Gandy (Naomi Watts); e, principalmente, com o colega Clyde Tolson (Armie Hammer), com quem ele teria vivido um discreto romance.

Para tentar manter o equilíbrio e conferir mais credibilidade ao filme, o roteiro de Dustin Lance Black utiliza um bom recurso ao ter o próprio personagem narrando sua história. Mesmo que isso favoreça o vaidoso narrador em muitos pontos, em alguns momentos ele tem sua visão dos acontecimentos contestada por outros personagens, gerando mais impacto sobre suas pequenas (ou grandes) mentiras. Ou seja, a obra não se impõe como a verdade absoluta sobre aquele personagem, sendo apenas mais uma maneira de enxergar os acontecimentos.

Um detalhe delicado sobre o filme são as cenas que indicam a homossexualidade do protagonista. Mesmo que isso seja mostrado com respeito, pessoas que não lidam bem com isso podem ter problemas com o filme e tentar explicar certas ações levando aspectos como esse em consideração, o que nem sempre é válido. Nos Estados Unidos, o filme recebeu uma censura elevada, mas ela é mais em decorrência das cenas de uma investigação que envolvia a morte violenta de uma criança que a isso. No Brasil, a classificação etária do filme é de 14 anos (até porque os palavrões somem nas legendas).

De qualquer forma, J. Edgar deve ser visto (e julgado, por que não?) através do conjunto da obra, que tem um misto de vida profissional e pessoal. Por ser baseado em fatos reais, nenhum personagem é perfeito e, como estamos tratando de gente poderosa, suas falhas trazem grandes consequências. Esse é um filme para ser visto com o senso crítico ligado em potência máxima e, vejam bem, quem disse que isso é algo ruim?

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  1. Tenho cada vez menos vontade de opinar, sobre qualquer coisa. Futebol, sexo, cinema, economia, a cor das cortinas... qualquer coisa. Minha opinião se tornou algo completamente desinteressante, inclusive para mim. Todo mundo tem opinião sobre tudo, eu não quero ter opinião sobre nada. Não participo de redes sociais, não interajo com desconhecidos no elevador, não acompanho reality shows, séries ou novelas da TV. Não conheço as coreografias do momento, as tendências e as gírias da estação. Não conheço nada. Importa-me saber se poderá chover, se os combustíveis subiram, se outro ministro caiu, mas não me interessa opinar.

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