Divagações: Xingu

Já disse mais de uma vez que não sou um grande fã do cinema nacional, mas por algum motivo tinha boas expectativas sobre Xingu . Não sei ...

Já disse mais de uma vez que não sou um grande fã do cinema nacional, mas por algum motivo tinha boas expectativas sobre Xingu. Não sei se era porque saia do inevitável tema de comédias, romances e violência que aparecem aos borbotões em nossa produção cultural. De todo modo, um pouco do meu ânimo foi levado ao ver o trailer, que era, na melhor hipótese, pouco inspirado. Porém, felizmente, o produto final ficou melhor do que a encomenda.

Em 1940, uma grande parte do território brasileiro ainda era inexplorada, de forma que, para incentivar a integração nacional, o governo federal iniciou um plano de expansão para o oeste. Em meio a essa última lasca de romantismo para explorar o desconhecido, os irmãos Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo Villas Bôas (Caio Blat) deixaram seus empregos e a estabilidade da vida moderna para participar da expedição. No decorrer da sua viagem pelo planalto central, eles têm contato com várias comunidades indígenas nas proximidades do rio Xingu, que os levam a repensar o valor do progresso e da civilização em meio às comunidades tradicionais.

Apesar de ser mais uma cinebiografia no meio de tantas outras, Xingu – exercendo o papel de ser uma produção tipicamente nacional, tanto na produção quanto na temática – não faz feio. Sendo bem produzida e tecnicamente competente, o filme retrata essa ‘zona cinzenta’ da história onde, apesar de todo o progresso das cidades, muito do interior do país permanecia virgem. É surpreendente pensar que, enquanto uma guerra tão recente acontecia na Europa, muitos habitantes nativos do país nunca haviam visto um homem branco.

Como disse anteriormente, o trailer engana um pouco e faz a história é muito mais romantizada do que realmente é (e, portanto, próxima a tantas outras por aí). Quem não conhece a história dos irmãos Villas Bôas certamente vai esperar um resultado diferente do que a trama conta. Desse jeito, é interessante perceber as nuances políticas e históricas pelas quais a história passa, percebendo nisso como se deu a construção do país em que vivemos hoje. Além disso, tenho que dizer: é engraçado ver Cao Hamburger na direção de um filme mais denso. É claro que não desconsidero a filmografia do diretor, mas é que, no meu imaginário, ele ainda faz parte da infância através dos programas da TV Cultura.

Ainda assim, não posso dizer que o filme é isento de falhas. Apesar de retratar bem as comunidades indígenas, Xingu peca um pouco nos personagens principais. Obviamente, não deve ser fácil entender as motivações, que são bem críveis apesar de tudo, mas há uma falta personalidade e individualidade no ‘núcleo branco’. No fim, são vários personagens que não têm exatamente características marcantes e pelos quais você não consegue se apegar. O roteiro funciona muito melhor se você imaginar que não temos a história dos indivíduos, mas da relação deles com a evolução das relações entre o índio e o branco.

Outro problema visível é o ritmo. O filme é relativamente curto, com pouco mais de uma hora em meia, mas por vezes parece se arrastar e se alongar demais. Para os mais impacientes será difícil não olhar uma ou duas vezes para o relógio. Sobretudo porque não há muita ação ou até mesmo interação dos personagens em vários momentos do filme.

Mesmo assim, eu indicaria Xingu mais pelo valor cultural do que pela qualidade cinematográfica. O filme tem vários pontos que merecem ser considerados e uma narrativa que se desprende dos velhos clichês do cinema nacional, mas seus méritos como filme são poucos. É mais uma obra interessante do que uma que vá divertir ou te prender na poltrona do cinema. Não é um programa para todos, mas para quem tem a paciência e a curiosidade sobre a própria história de nosso país – e vale pelo bom retrato.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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