Divagações: Bacheha-Ye aseman

Quando eu era criança, achava que os adultos costumam ser muito injustos e cruéis. Assim, um dia eu prometi para mim mesma que não me esq...

Quando eu era criança, achava que os adultos costumam ser muito injustos e cruéis. Assim, um dia eu prometi para mim mesma que não me esqueceria de como é ser criança, para poder tratar melhor os mais novos. Sinceramente, acho que me esqueci de boa parte das coisas e não mantive minha promessa de acordo, contudo, às vezes o cinema de ajuda a relembrar.

A história de Bacheha-Ye aseman não tem relação direta nenhuma com a minha infância. É protagonizada por um menino que vive uma vida complicada. Ali (Amir Farrokh Hashemian) é iraniano e mora de aluguel com o pai (Mohammad Amir Naji), a mãe (Fereshte Sarabandi) e irmã mais nova, Zahra (Bahare Seddiqi). A mãe está doente e o pai não está dando conta das contas, incluindo o aluguel. Ali e sua irmã precisam ajudar a mãe em quase tudo e cada um só tem um par de sapatos– até que, acidentalmente, Ali perde o par de Zahra e os dois precisam revezar o tênis do menino para irem até a escola.

Sem contar para os pais, os dois quebram a cabeça para tentar lidar com a situação. Dessa forma, o filme mostra muito sobre a cultura e a desigualdade do país sem fazer disso um grande drama didático e chato de assistir. Tudo se passa no mundo das crianças, que não compreendem direito a mudança nos humores dos adultos e temem uma repreensão. O alívio é menos por colocar os pés cheios de bolha na água e mais por não precisar esconder. Por mais se passe no Irã, poderia acontecer na sua cidade, ou até na sua casa.

Além disso, Bacheha-Ye aseman é um filme sobre a família. Ali e Zahra, por mais que tenham suas implicâncias um com o outro, são capazes de tudo em nome da fraternidade. Eles são irmãos que se amam! Sem cinismo ou falsidade. Para completar, Ali está em uma idade em que começa a assumir responsabilidades e a entender melhor o mundo que o cerca. No decorrer do filme, ele passa de uma criança medrosa a um companheiro de seu pai, entendendo melhor as limitações, as conquistas e os sentimentos daquele homem.

As atuações das crianças garantem que isso não se perca. As lágrimas – verdadeiras ou falsas – surgem aos borbotões, sempre acompanhadas de expressões que querem dizer muito mais. Amir Farrokh Hashemian traz um irmão mais velho quieto e responsável, orgulhoso de suas conquistas e temeroso do desapontamento paterno. Já Bahare Seddiqi mostra, com um olhar, a esperteza e a necessidade de agir sem ser notada. Sua personagem tem um coração mole que a impede de denunciar o irmão pela perda do sapato, mas não de ameaçar fazer isso. Eu, pessoalmente, encontrei um pouco de mim nos dois e acho que são poucos os filmes que trazem o universo infantil com tanta sutileza e precisão.

Com roteiro e direção de Majid Majidi, Bacheha-Ye aseman é um filme sensível em muitas camadas – sem deixar de ser divertido. É possível rir, chorar e torcer (por um terceiro lugar!) com mais afinco do que em muitas produções com orçamentos gigantescos e grandes estrelas. O segredo está na simplicidade da história, na sinceridade dos personagens e na capacidade de fazer com que o público se identifique com a história. Você pode achar um filme de ação legal, mas nada se compara a se lembrar de como era ser criança e estar em apuros.

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