Divagações: Transamerica

Nas eleições de 2014, a pauta levantada pelos grupos LGBT foi muito debatida. Vale lembrar que há quase 10 anos, Transamerica conseguiu ...

Nas eleições de 2014, a pauta levantada pelos grupos LGBT foi muito debatida. Vale lembrar que há quase 10 anos, Transamerica conseguiu trazer muitas questões sobre o tema de uma forma delicada, mas de forma alguma menos contundente. O filme é forte, impactante e perturbador sob muitos aspectos, mas isso faz parte de seu compromisso com ser realista.

Bree (Felicity Huffman) já vive como mulher há algum tempo. Mesmo tendo educação superior, ela trabalha como garçonete em um restaurante mexicano e ganha um dinheiro extra com telemarketing feito em casa. Falta pouco para o dia mais importante de sua vida – a cirurgia para troca de sexo – ela recebe a ligação de um filho que não sabia que tinha e que está preso. Incentivada pela única amiga e psicóloga, Margaret (Elizabeth Peña), ela viaja para conhecer Toby (Kevin Zegers) e resolve passar alguns dias na companhia do rapaz.

Transamerica assume a postura de um drama leve, passado na estrada. Ao longo do caminho, os dois protagonistas cruzam com diversas pessoas e acabam se conhecendo melhor no processo. Há desde um caroneiro hippie (Grant Monohon), um grupo bem animado de transexuais, um paquera para Bree (Graham Greene) e a família dela, formada por uma mãe preconceituosa e autoritária (Fionnula Flanagan), um pai com pouca personalidade (Burt Young) e uma irmã com um passado problemático (Carrie Preston).

Insegura, frágil e problemática, Bree precisa encontrar forças para lidar com uma situação que preferia simplesmente evitar. Ela tem uma vida difícil, mas acaba descobrindo que as camadas de segurança e força de Toby apenas servem para proteger uma pessoa igualmente – ou, provavelmente, até mais – perdida em uma sociedade incompreensiva e repressiva. É interessante perceber que ambos preferem conviver com grupos minoritários. Ela trabalha em um restaurante mexicano e atrai a atenção de um índio. Ele arruma amigos envolvidos com drogas e quer trabalhar em filmes pornôs.

Com o objetivo de lidar com a natureza humana, Transamerica toma decisões curiosas. Bree, em invés de lutar por suas causas, tenta sempre passar despercebida. Ela se veste como uma senhora respeitável de classe média e perde muito tempo corrigindo a gramática e as maneiras de Toby. Ele, por sua vez, utiliza-se de uma sexualidade aflorada para esconder problemas mais profundos. Sonha com um pai cheio de grandes conquistas e fantasia como uma criança, mesmo não sendo mais tão novo assim. É um adolescente vivendo altos e baixos e lidando com isso.

O diretor e roteirista Duncan Tucker consegue abordar muitas questões de uma maneira delicada e sensível. Ele sabe que seus personagens não são exímios representantes de seus grupos, mas essa acaba sendo uma boa maneira de colocar o indivíduo acima da causa. Essa é uma história sobre duas pessoas que deveriam ter um vínculo afetivo, mas acabaram de se conhecer e precisam enfrentar alguns dias de convivência forçada.

Assim, Transamerica não força suas discussões para os espectadores. Os personagens expressam suas opiniões com toda a liberdade, em argumentos claros, mas muito pessoais. É possível assistir sem se comprometer com a causa, mas dá para pensar muito sobre o assunto – e crescer no processo.

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