Divagações: In the Heart of the Sea
3.12.15
Por mais que sua importância literária tenha se apagado nas últimas décadas – resultado de um afastamento cada vez maior da sociedade com o imaginário do século XIX – Moby Dick continua sendo um clássico inegável e parte das referências culturais que adquirimos meio que por acidente durante nossas vidas. Sabemos sobre a obsessão do capitão Ahab, sabemos sobre a feroz grande baleia branca, mas por outro lado não sabemos tanto assim sobre esse curto período histórico em que passar anos no mar arpoando baleias por causa de óleo parecia ser uma atividade comercial promissora. Melville até tratou sobre o assunto em detalhes, mas faltavam referências mais palpáveis e visuais para uma geração mais contemporânea.
In the Heart of the Sea tenta de algum modo remediar essa lacuna na representação da exploração marítima da época (agradando, quem sabe, os órfãos de Master and Commander), ao contar a história que supostamente serviu de base para o romance de Herman Melville. Literalmente, podemos dizer, já que o filme se inicia justamente com o jovem escritor (Ben Whishaw) chegando a cidade de Nantucket para descobrir a verdade sobre o naufrágio do baleeiro Essex. Lá, ele é recebido por Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), o último membro vivo da tripulação do navio, que passa os dias bebendo e sendo atormentado pelo seu passado.
Mesmo com a relutância de Nickerson em contar a verdade sobre o destino do navio, Melville o acaba convencendo e, no processo, descobrindo um pouco mais sobre a jornada dos dois homens que comandavam o Essex: Owen Chase (Chris Hemsworth), um primeiro imediato atraído pelas promessas ascensão social, e George Pollard (Benjamin Walker), um capitão inexperiente que tenta se provar para sua família aristocrática. Em constante atrito, os dois são igualmente movidos pela ambição, o que os leva a uma viagem aos confins mais perigosos do oceano.
O conceito geral é muito interessante, a reconstrução histórica é ótima, os detalhes e o visual do filme também estão muito caprichados – ainda mais no IMAX. Apesar do 3D ser bem dispensável, esse é o tipo de filme que não tem como criticar tecnicamente. Com uma boa direção de Ron Howard, In the Heart of the Sea tinha muito potencial, porém, alguma coisa nessa mistura não harmoniza tão bem e acaba por minar o desenvolvimento emocional do filme.
Ainda que os personagens em si funcionem e o conflito entre Chase e Pollard apresente algum potencial no início da história, quase tudo isso é deixado de lado quando começa o terceiro ato, alterando completamente a dinâmica da primeira metade e, sinceramente, tirando boa parte do que tornava o filme único. Assim, o que seria o momento de maior peso emocional do roteiro acaba deixando o expectador na mão.
Em busca de contar o que seria a história por trás da história, o filme se esquece que a realidade nem sempre é tão empolgante quando a ficção. O que era para ser uma reflexão sobre a insignificância humana em frente a natureza, a pequeneza do nosso orgulho e ganância, acaba se tornando apenas monótono, sobretudo porque falta carisma e desenvolvimento dos personagens, fazendo com que seja muito difícil realmente se importar com o que acontece com eles.
In the Heart of the Sea tenta ser grandioso e maior do que a vida, mas carece da paixão e do calor necessários para cativar. Falta justamente a loucura e a obsessão de um Ahab, falta um Ishmael para os nossos tempos, capaz de fazer essa ponte de identificação entre o expectador e a história, falta o lirismo e o romance que tornaram Moby Dick interessante para início de conversa. Mesmo com boas intenções, todo o trabalho de nos transportar para outro tempo e outro lugar, falta justamente coração no coração do mar.
Outras divagações:
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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