Divagações: Suffragette
15.12.15
Existem filmes feitos para emocionar, para fazer rir, para provocar, para incomodar, para elevar. Muitos não se limitam a um único objetivo e conseguem transcender a experiência cinematográfica. Eles não subestimam seu público, sabem apresentar um texto inteligente de forma clara e é maravilhoso quando conseguem unir um elenco dedicado e talentoso a uma equipe técnica criativa e competente.
Confesso que, se não era exatamente isso, era algo similar o que eu esperava de Suffragette. Queria um filme que me fizesse chorar e me deixasse com raiva, uma produção que me desse orgulho das mulheres do passado ao mesmo tempo em que provocasse a vontade de ir às ruas – porque a luta está muito longe do fim. O que encontrei é, sim, uma homenagem sincera e emocionada. Mas ela é também reducionista e um tanto quanto tímida. Ao evitar ofender demais, o filme apenas cutucou pontos importantes, mas não enfiou o dedo na ferida.
A história acompanha a entrada de Maud Watts (Carey Mulligan) no movimento organizado (e clandestino) das mulheres que lutam pelo direito de voto na Inglaterra dos anos 1920. Mãe do pequeno George (Adam Michael Dodd) e esposa de Sonny (Ben Whishaw), ela trabalha em uma lavanderia desde que se conhece por gente e seu mundo se resume à labuta e à família. Tudo começa a mudar quando Maud começa a ter simpatia pela colega Violet Miller (Anne-Marie Duff), que, por sua vez, tem uma filha (Grace Stottor) que está começando a trabalhar e já sofre nas garras do patrão (Geoff Bell).
A jornada da protagonista, seus questionamentos e seus sofrimentos direcionam os espectadores para dentro do movimento sufragista liderado ideologicamente por Emmeline Pankhurst (Meryl Streep) e na prática guerrilheira por Edith Ellyn (Helena Bonham Carter). Há discordâncias e brigas internas, além da perseguição por uma equipe policial liderada por Arthur Steed (Brendan Gleeson), mas também há muito pelo que lutar. Maud se deixa levar pela sensação de que está fazendo algo por um mundo melhor, embora fique claro que sua posição de ignorância a coloca em uma frente de batalha em busca de relevância midiática, enquanto a luta política efetiva permanece distante.
Na verdade, ao optar por uma protagonista de menor relevância dentro do movimento, Suffragette também faz a escolha de mostrar o menos possível de formação política. Em um contexto onde as lutas da classe trabalhadora são apoiadas por leituras marxistas e anarquistas, a personagem principal se mostra alheia a um contexto político mais amplo e se importa apenas com os próprios direitos. Vale acrescentar que se trata também de um elenco totalmente branco, excluindo-se a luta das mulheres negras e ainda mais marginalizadas dentro daquela sociedade.
Parte do impacto também se perde na falta de personalidade das mulheres retratadas. Apenas Emmeline Pankhurst e Emily Wilding Davison (Natalie Press) são baseadas em pessoas reais e ambas têm muito pouco tempo de tela. Por sua vez, cada uma das personagens fictícias (femininas e masculinas) apresenta um aspecto mais plano e simplificado da opressão e da luta, dispersando a real importância e o impacto social e cultural da causa.
Ao mesmo tempo, Suffragette se aproveita de um elenco de renome para levantar questões muito importantes – isso não se pode negar. A diretora Sarah Gavron conseguiu fazer uma obra bem acabada sobre a luta feminista e efetivamente colocá-la em destaque na mídia e nas concorridas redes de salas de cinema. Como é comum em qualquer filme que apresenta uma causa, boa parte da complexidade se perde e muitos argumentos são afrouxados. Só é uma pena que o filme tenha dado poucas pistas para quem se interessar em buscar por mais.
A verdade é que Suffragette decepciona porque o filme tinha uma grande responsabilidade com seu público. Como uma obra isolada (e para quem não se envolve emocionalmente com o tema), ele funciona bem e garante o efeito dramático necessário. Mas, como o retrato do início de uma luta que ainda segue, ainda há muito a ser feito.
Espero que esse seja apenas o princípio. Sonho em ver filmes com grandes elencos femininos recebendo destaque todos os anos. Quero ver – na vida real e no cinema – mulheres liderando equipes, lidando com assuntos importantes, sendo auxiliadas por outras mulheres (chega de ser ‘o elemento diferente’ no time!) e tendo relevância política, social, econômica, científica, esportiva, artística, acadêmica etc.. A representatividade e a representação importam.
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