Divagação: Joy
21.1.16
Existem poucas coisas no mundo que me incomodam tanto no cinema quanto filmes ‘inspiradores’ sobre um indivíduo que, apesar de todas as dificuldades, consegue vencer na vida porque não teve medo de dar um salto de fé. O mito do self-made man (nesse caso, woman) não é apenas irreal como é completamente nocivo. Para cada história de sucesso existem centenas de fracassos, dezenas de histórias de pessoas que foram levadas a falência porque acharam que tinham algo de único e especial, porque acharam que o trabalho duro seria o suficiente para fazê-las prosperar – o problema é que o mundo nem sempre é tão justo quanto pintado pela ficção.
Isso por si só já me faria olhar com cara feia para Joy, um filme baseado na história de Joy Mangano (Jennifer Lawrence), uma mulher que fez fortuna inventando produtos domésticos no final dos anos 1980. Joy, divorciada e mãe de dois filhos, vive uma vida conturbada e longe do sucesso que tanto sonhou. Tendo que lidar com a péssima relação entre seus pais Rudy (Robert De Niro) e Terry (Virginia Madsen) e o fracasso do seu casamento com Tony (Édgar Ramírez), Joy aposta tudo em uma invenção potencialmente inovadora, um esfregão autolimpante e diferente de qualquer outro no mercado. Apesar das dificuldades, o produto eventualmente chama a atenção de Neil Walker (Bradley Cooper), o produtor de um dos primeiros canais de compra pela televisão.
Como se não bastasse a premissa, que seria questionável em qualquer outro momento, outros fatores dão a desagradável impressão de que esse filme foi encomendado para conseguir alguma atenção na temporada de premiações. Poucas coisas soam realmente genuínas e boa parte das escolhas, sejam de produção, de elenco ou na própria narrativa, parecem ter saído de um checklist de elementos que a Academia gosta. Mas esse tipo de coisa já era esperada do diretor e roteirista David O. Russell; e American Hustle está aí para provar o que eu digo.
Não existe ‘peso’ em Joy, nada que desafie ou tire o expectador de sua zona de conforto. Apesar do filme ser uma série constante de fracassos e problemas enfrentados pela protagonista, não é possível sentir risco algum, já que você saber que, no final, como em um passe de mágica, vai tudo terminar bem. E quando digo, ‘um passe de mágica’, estou sendo bem menos metafórico do que gostaria, já que a resolução da história acontece de modo repentino, não me fazendo realmente acreditar na evolução orgânica da personagem. Para mim, fica a impressão de que tudo se resolve porque Jennifer Lawrence resolve cortar o cabelo e fazer pose de durona, não porque Joy aprendeu alguma lição.
Ainda que falando assim pareça que o filme é detestável, também não chegamos a tal ponto. Querendo ou não admitir, a produção é bem dirigida, tem uma fotografia bastante competente, boas cenas e um bom elenco que, apesar de não muito inspirado, também não faz nada de errado. A narração de Diane Ladd pode irritar um pouco e, no geral, só colabora com esse tom meio brega que os filmes inspiracionais passam, porém, não chega a ofender, quer dizer, não muito.
Mesmo assim, não acredito que Joy seja um filme merecedor do reconhecimento técnico que anda tendo. No final, é só mais uma obra meio insossa que carece completamente de coração ou de algo pungente e verdadeiro, vendendo uma ideologia questionável e ficando muito atrás de tantos outros filmes interessantes que estão em cartaz nesse início de ano. Ainda que Jennifer Lawrence seja uma atriz talentosa, sinto que nesses últimos anos ela esteja apostando demais no que é seguro e esquecendo que há vida longe de David O. Russell. Talvez quebrar essa parceria seja o melhor a se fazer a longo prazo.
Outras divagações:
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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