Divagações: Crimes and Misdemeanors

Embora não costume seguir as regras preestabelecidas por Hollywood no momento de escolher o destino de seus personagens, Woody Allen nem...

Embora não costume seguir as regras preestabelecidas por Hollywood no momento de escolher o destino de seus personagens, Woody Allen nem sempre se considera satisfeito com o final de seus filmes. Há quem diga que Crimes and Misdemeanors surgiu justamente de um sentimento assim em relação ao final dado a Hannah and Her Sisters. Dessa forma, se o cineasta foi ‘bonzinho’ com as mulheres em seu filme de 1986, não se pode dizer o mesmo dos personagens que criou apenas três anos depois.

Judah Rosenthal (Martin Landau) é um oftalmologista que está muito bem financeira e profissionalmente. Sua família também é perfeita, especialmente seu casamento com Miriam (Claire Bloom). No entanto, tudo isso está ameaçado por Dolores Paley (Anjelica Huston), uma mulher com quem viveu um romance e da qual tem dificuldades em se desvencilhar. Ele, assim, busca consolo em seu paciente e rabino Ben (Sam Waterston), um homem equilibrado e que tem muito a ensinar, mas que tem uma doença e está ficando cego.

Na família de Ben, as coisas também não estão harmoniosas – embora ele não pareça ter influência alguma. Sua irmã, Wendy (Joanna Gleason), enfrenta uma crise no casamento com o sonhador documentarista Cliff Stern (Woody Allen) que, por sua vez, está obviamente apaixonado pela produtora televisiva Halley Reed (Mia Farrow). Quem também gosta da moça é Lester (Alan Alda), um bem-sucedido e arrogante figurão da televisão que, não por acaso, é irmão de Ben e Wendy.

Embora essa trama tenha todos os elementos necessários para se tornar um melodrama (nem entrei em detalhes com relação aos ‘crimes’ para não revelar demais), Crimes and Misdemeanors tem seus momentos mais cômicos. É como se os personagens de Martin Landau e Woody Allen vivessem em mundos interpretados de formas bem diferentes, mas que se intercalam com tanta frequência que acabam se equilibrando. Não é algo fácil de fazer, mas vamos combinar que, nesse ponto, o diretor já tinha 20 filmes no currículo – é mais do que muitos conseguem em toda uma vida.

Na verdade, Allen chegou em um pouco no qual seu humor irônico e seu cinema meio realístico, meio absurdo estão em perfeita harmonia. Talvez isso não resulte no melhor filme que você já viu, mas é o mais típico do diretor que se pode chegar – ou quase. Dominado por personagens masculinos, Crimes and Misdemeanors parece carecer de uma sensibilidade que o diretor reserva apenas para suas mais bem escritas protagonistas e coadjuvantes.

Aliás, essa já é a nona das 13 colaborações entre Allen e sua ‘musa da vez’, Mia Farrow. Ao contrário do que acontecia nas experiências narrativas do começo da década de 1980, o diretor diminuiu significativamente os papéis interpretados por Mia, sem contar que eles foram ficando cada vez mais parecidos. Ao longo da década, ele também aperfeiçoou sua habilidade de lidar com múltiplos personagens, tornando-se um especialista em levar suas atrizes coadjuvantes a premiações (não que ele mesmo se importe muito com isso).

De qualquer modo, o que interessa em Crimes and Misdemeanors é a capacidade de contar uma história que acontece primordialmente na cabeça dos personagens. Eles interagem, sim, mas são suas agonias, inseguranças, crenças, lembranças, temores e sofrimentos que fazem com que a história siga em frente. O filme também não se preocupa muito em chocar o espectador. É chegado o momento de não se arrepender ao dar a uma obra o final que ele merece.

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