Divagações: The Hateful Eight

Apesar de não faltarem críticos que o considerem superestimado, não há como negar que Quentin Tarantino é um diretor realmente apaixonad...

Apesar de não faltarem críticos que o considerem superestimado, não há como negar que Quentin Tarantino é um diretor realmente apaixonado pelo seu ofício. Para alcançar um bom resultado, o cineasta faz de tudo, desde escolher seus projetos a dedo, apostar em estilos narrativos incomuns e até mesmo reviver técnicas de filmagem já abandonadas há décadas. Tudo para satisfazer seus elevados (e quase obsessivos) padrões de qualidade. Porém, considerando que são poucos os profissionais dessa indústria que têm uma filmografia tão consistente, parece-me que os esforços de Tarantino valem a pena.

Não poderia ser diferente com The Hateful Eight. Mesmo se passando no oeste americano do fim do século XIX (e exibindo uma invejável trilha sonora de Ennio Morricone), o filme também acaba por subverter as expectativas ao não beber diretamente da fonte dos faroestes clássicos com grandes panoramas abertos e ação constante. Pelo contrário, a obra assume uma faceta quase que teatral em que que oito estranhos permanecem isolados durante uma nevasca – e a tensão causada por uma traição eminente coloca todos em conflito.

Estes eventos são postos em movimento quando dois caçadores de recompensas, John Ruth (Kurt Russell) e o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) se encontram na última diligência para a cidade de Red Rock antes da chegada de uma tempestade de neve. Ruth planeja entregar Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) à justiça, porém, quando o grupo acaba topando com outras figuras suspeitas durante sua estadia em uma hospedaria, aumenta também a impressão de que nem todos estão preocupados em falar a verdade e mostrar suas verdadeiras intenções.

Como já foi dito, ainda que apresente muitas referências visuais e estilísticas aos filmes de faroeste, não existe tanto comprometimento em preservar o estilo narrativo do gênero. O resultado é algo muito mais próximo de Reservoir Dogs do que Django Unchained, que inaugurou a fase western do cineasta. Assim, The Hateful Eight se mostra um filme mais cerebral e denso – mas sem abrir mão da violência estilizada tão comum nos filmes de Tarantino –, inclusive com um tom bem mais sério do que os trailers davam a entender.

No mais, Tarantino mantém todas as características que o consagraram. O filme é recheado de bons diálogos (ainda que eles possam cansar quem prefere um filme com mais ação), a química entre o elenco é impecável e todos têm alguma coisa de interessante. Samuel L. Jackson, por exemplo, talvez entregue um dos melhores trabalhos de sua carreira, funcionando perfeitamente como o elo que costura todo o filme. Infelizmente, mesmo com a alta qualidade do conjunto, falta alguma figura tão marcante como os personagens de Christoph Waltz nas suas recentes colaborações com o diretor, o que talvez prejudique a chance de The Hateful Eight se destacar nas premiações vindouras.

Essa soma de fatores acaba produzindo uma obra extremamente sólida e uma das melhores que vi nos últimos tempos. Afinal, são poucos os filmes de mais de três horas capazes de prender minha atenção do começo ao fim e que não me fazer olhar para o relógio em nenhum momento. The Hateful Eight consegue sempre se manter fresco e em movimento, entregando surpresas e introduzindo mudanças quando necessário.

Contudo, admito que a produção não é revolucionária e está longe de ser uma unanimidade – afinal, três horas de puro diálogo são capazes de entediar muita gente, sobretudo quem vai ao cinema procurando uma experiência mais tradicional. Mesmo assim, é uma das melhores pedidas para esse início de ano e um bom começo para a temporada de filmes ‘oscarizáveis’.

Ainda assim, é de se lamentar a ausência de projeções da versão ‘definitiva’ do filme por essas bandas. Por mais que não existam reais culpados pela ausência de salas apropriadas, só resta aos cinéfilos chorarem por não poder ver o filme nos ‘gloriosos 70mm panavision’, como Quentin Tarantino tanto queria.

Outras divagações:

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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