Divagações: Hello, Dolly!

Estamos no final dos anos 1960 e a era de ouro dos musicais está chegando ao fim. Um dos últimos suspiros (talvez o derradeiro) foi Hello...

Estamos no final dos anos 1960 e a era de ouro dos musicais está chegando ao fim. Um dos últimos suspiros (talvez o derradeiro) foi Hello, Dolly!, grandioso em sua produção e em seu marketing – a ponto de conseguir ser o quinto filme com a melhor bilheteria do ano e, ao mesmo tempo, render um imenso prejuízo para a Fox, que sonhava por algo nas mesmas proporções de The Sound of Music, lançado quatro anos antes.

É uma pena que o filme tenha estreado no momento errado, já que se trata de um dos musicais mais lembrados de todos os tempos, rendendo recordes em suas passagens pelos palcos e ainda capaz de encantar no vídeo. Ao mesmo tempo, é preciso assistir com um filtro atento às mudanças de paradigmas da sociedade. Afinal, trata-se de uma representação exagerada da sociedade de 1890 e, sim, algumas músicas são ‘comicamente’ machistas.

Dirigido por Gene Kelly (ele mesmo!), Hello, Dolly! é baseado no musical de Michael Stewart, que adaptou uma peça de Thornton Wilder e que, por sua vez, foi inspirado pelo trabalho de Johann Nestroy. Ou seja, entre muitas idas e vindas, a história já passou por diversas versões e é bem provável que você tenha entrado em contato com essa trama de outra forma.

Dolly Levi (Barbra Streisand) é uma casamenteira que está decidida a fazer sua própria felicidade ao lado do rico, antiquado e mal-humorado Horace Vandergelder (Walter Matthau). O casal parece muito improvável e ela toma caminhos bem tortos ao influenciar o romance da sobrinha de Horace, Ermengarde (Joyce Ames), com o pintor Ambrose Kemper (Tommy Tune). Também entram na dança – literalmente – os dois funcionários do empresário, Cornelius Hackl (Michael Crawford) e Barnaby Tucker (Danny Lockin), além da dona de uma loja de chapéus, Irene Molloy (Marianne McAndrew), e sua assistente, Minnie Fay (E.J. Peaker).

Falando rápido e armando todo o tipo de situações, Dolly é carismática e fica difícil não se encantar por ela, especialmente após sua entrada triunfal no restaurante Harmonia Gardens, que resulta na sequência mais emblemática do filme. Ao mesmo tempo, ela também não é exatamente a mocinha-padrão que poderíamos esperar. É uma viúva interessada no dinheiro de um possível pretendente que não combina nem um pouco com ela. Dessa forma, o filme brinca constantemente com as expectativas de seu público, principalmente ao colocar valores em jogo.

Barbra Streisand, claro, é a maior responsável pelo apelo da protagonista, com sua maravilhosa voz e seu olhar cheio de charme. Infelizmente, ela destoa muito de seu parceiro de cena, Walter Matthau, que odiava a atriz na vida real. Os dois não têm muita química e o casal principal acaba sendo o que menos funciona ao longo da produção, algo que é minimizado pelo fato de que, bem, eles só ficam efetivamente juntos ao final (espero que você não brigue comigo por ter revelado esse tão óbvio segredo).

De qualquer modo, Hello, Dolly! é empolgante com suas coreografias exageradas e acrobáticas, suas músicas animadas, seus cenários adoráveis e seus figurinos extravagantes (beirando o ridículo, mas absolutamente divertidos). Não se fazem mais musicais como esse, é verdade, mas talvez isso seja bom. Há um sentimento de nostalgia do não-vivido, um brilho irrecuperável e um glamour inalcançável. Está tudo aparentemente muito errado, mas, de alguma forma, nada poderia ser mais certo.

RELACIONADOS

0 recados