Divagações: Zama

Se formos parar para pensar, não é curioso como a época do Brasil colonial é tão comumente retratada a partir da corte, da nobreza, da riq...

Se formos parar para pensar, não é curioso como a época do Brasil colonial é tão comumente retratada a partir da corte, da nobreza, da riqueza? Afinal, isso representa tão pouco da realidade do país de então. Zama não se passa aqui, mas bem que poderia.

O filme, que foi escolhido para representar a Argentina no Oscar em 2018, traz a história de um oficial da coroa espanhola alocado em Assunção. Don Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho) está no eterno aguardo de uma carta do rei, pois tem a ambição de morar em Lerma (atualmente Salta, na Argentina). Suas esperanças, entretanto, estão cada vez mais prejudicadas – e a vida na colônia apenas piora.

A partir dessa premissa, a roteirista e diretora Lucrecia Martel retrata um personagem patético, que não é respeitado por seus pares e nem por seus subordinados. Apesar de ser casado e manter correspondência com a mulher (que, aliás, pode ser imaginária), Don Diego teve um filho com uma nativa que não a mínima para ele e frequentemente flerta com a esposa do governador, Luciana (Lola Dueñas), ainda que sem muito sucesso. Além disso, sua moral tanto com os colegas de trabalho quanto com a comunidade local está em franca decadência, a ponto de ele acabar tendo que ir morar em um local supostamente assombrado.

Já desiludido, ele parte no que poderia ser uma tentativa desesperada de mudar sua sorte e talvez conseguir alguns pontos com a coroa espanhola – mas que não passa de uma desculpa para seguir em frente. Assim, ele larga a vida de burocrata e se junta a meia dúzia de aventureiros em uma tentativa de encontrar um criminoso tão famoso que já adquiriu características lendárias, Vicuña Porto. O grupo, contudo, possui um infiltrado que logo se entrega, o soldado Gaspar Toledo (Matheus Nachtergaele).

Divertido em sua bizarrice, Zama tem um ritmo narrativo diferente do habitual, já que simplesmente acompanhamos o protagonista ser levado por uma maré sempre desfavorável. Com isso, a produção não se assume como uma comédia – embora também não negue que o seja – e acaba sendo um tanto quanto lenta. Ou seja, o longa-metragem sabe que tem um público restrito e se aproveita para contar sua história sem uma edição frenética e mostrando bem as paisagens.

Um destaque vai para a trilha sonora variada, que se descola do cuidadoso retrato de época. A sensação de estranheza que isso gera funciona, pois ela combina muito bem com a própria situação mental (confusa e desolada) do protagonista. Para completar, há até mesmo uma canção da dupla brasileira Índios Tabajaras, que teve destaque internacional na década de 1960 (o que reforça a conexão do filme com o livro que lhe deu origem, lançado no final dos anos 1950).

Aliás, vale dizer que, embora Zama tenha um alcance bem limitado no Brasil, o filme merecia mais espaço por aqui. Digo isso porque temos que olhar mais para o cinema ao lado (e para o nosso), mas também porque a produção contou parcialmente com financiamento nacional e tem um de nossos melhores atores no elenco.

Esse, de qualquer modo, é um longa-metragem que merece ser descoberto e deliciado com calma. Zama não é um drama histórico convencional e só por isso já teria um grande mérito. O fato de ser um filme bem realizado (e um tanto quanto maluco) apenas ajuda.

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