Divagações: Bugonia

Bugonia

Yorgos Lanthimos está em uma fase extremamente prolífica da sua carreira, com três longas nos últimos três anos; e esse é o quarto filme consecutivo da parceria entre o cineasta e Emma Stone. Ou seja, aqueles que gostam de suas sensibilidades únicas certamente não têm do que reclamar. 

Porém, Bugonia talvez também atraia alguma atenção por ser o primeiro remake da carreira do diretor. Nesse caso, ele decidiu repensar o filme coreano cult Jigureul jikyeora!, de 2003 (ou “Save the Green Planet!” em seu título ocidental), levantando a questão de se é possível manter a originalidade – que é a marca de Lanthimos – quando se trabalha em cima de uma obra já lançada.

Em Bugonia, um rapaz interiorano afundado em teorias da conspiração, Teddy (Jesse Plemons), acredita que uma invasão da Terra por alienígenas de Andrômeda está em curso. Como os extraterrestres já se infiltraram em todos os escalões do governo mundial, para tentar salvar a humanidade, ele se junta com seu primo, Don (Aidan Delbis), um sujeito claramente neurodivergente e sem muitas perspectivas. O plano envolve para sequestrar Michelle (Emma Stone), a poderosa CEO de uma companhia farmacêutica que Teddy acredita ser uma oficial andromedana e a chave para negociar com os alienígenas durante o eclipse lunar.

Ainda que o argumento do filme seja bastante similar ao original coreano e muito de sua estrutura de humor negro derive de lá, Lanthimos entrega uma versão mais atualizada dessa história. Ao entrarem no clima político contemporâneo, Teddy e Don representam de modo assustador o isolamento e a radicalização de uma parte considerável da população americana (e talvez mundial), sendo personagens com uma vulnerabilidade muito grande por trás da fachada de loucura.

Plemons, que já entrou no meu radar no ano passado com a possivelmente melhor e mais assombrosa cena de Civil War, entrega um personagem multifacetado, que parece estar segurando a sanidade por um único fio. Mas, ao mesmo tempo, ele faz parecer fácil empatizar com um sujeito bem-intencionado e assombrado por seu passado, ainda que muitas vezes monstruoso e disposto a cometer atrocidades.

Emma Stone, a outra ponta da equação, apesar de menos simpática e claramente em uma posição de antagonismo, é totalmente verossímil em suas atitudes. Ela expressa a frieza e a condescendência de uma pessoa que claramente se vê como superior aos seus captores, mas que simultaneamente vive a incerteza e o medo de alguém presa a uma situação absurdamente insana, e que vai fazer de tudo para sobreviver.

Assim, Bugonia constrói muito bem essa tensão, revela as camadas de seus personagens de modo gradual e com ótimas caracterizações e se desenrola em uma espiral caótica e sufocante que é desconfortável de um jeito bom. Destaque para quando o filme revela (nas sequências com mais cara de Yorgos Lanthimos) que a escolha de Teddy por Michelle pode estar enviesada por uma história passada com a empresa, reforçando o suspense sobre a verdade por trás da trama.

O maior problema parece estar em um ato final divisivo, que se esforça tanto para ser subversivo que se torna bastante óbvio, ainda mais considerando as credenciais do diretor; e isso rouba um peso dramático que uma pegada mais comedida poderia ter. O detalhe é que esse também parece ser um problema do original que, na tradição dos filmes coreanos do início dos anos 2000, sustentavam-se bastante em sua capacidade de chocar. 

Eis o grande problema: criar algo insatisfatório de propósito não torna a produção menos insatisfatória, e talvez Bugonia sofra por isso. Em seu melhor, o longa-metragem é uma montanha russa narrativa que prendeu fortemente a minha atenção e deu a performance de Plemons, que parece ter sido uma das melhores do ano. Já em seus momentos mais fracos, ele parece se afundar nos vícios comuns de Lanthimos, com sequências oníricas meio deslocadas da trama central e um desfecho meio murcho ante o conjunto da obra. 

De todo modo, se você considera a filmografia do diretor como sendo excessivamente pretensiosa, Bugonia não quebra esse molde. Para quem aprecia, o filme é esquisito na medida certa, bastante pertinente ao momento atual e fresco o suficiente para não só se misturar com os demais trabalhos do cineasta.

Outras divagações:
The Favourite
Poor Things

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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