Divagações: On the Road

É um pouco engraçado pensar que uma das obras literárias mais importantes da cultura estadunidense até agora nunca havia conseguido chega...

É um pouco engraçado pensar que uma das obras literárias mais importantes da cultura estadunidense até agora nunca havia conseguido chegar as telas do cinema e, quando finalmente chega, é ironicamente pelas mãos de um brasileiro.  Não desmerecendo o trabalho de Walter Salles, muito pelo contrário, acho que nas atuais circunstâncias um estrangeiro está muito mais preparado para refletir sobre a grande obra de Jack Kerouac, visto que toda a ‘cultura beat’ ainda fervilhava nos anos 1980 em território nacional – impulsionada justamente pelas traduções das obras de Bukowski e Kerouac –, enquanto não passava de um eco para a nova geração estadunidense.

Assim, em On the Road, agora podemos ver na telona a jornada de Sal Paradise (Sam Riley) e Dean Moriarty (Garrett Hedlund), enquanto eles atravessam os Estados Unidos. Acompanhados de perto por figuras icônicas como o constante affair de Dean, Marylou (Kristen Stewart), o excêntrico Old Bull Lee (Viggo Mortensen) ou o atormentado Carlo Marx (Tom Sturridge), os dois viajantes buscam pelo intangível significado de suas vidas em uma época de incertezas e agitações como nenhuma outra.

Antes de tudo, sou obrigado a dizer que esta é uma adaptação extremamente digna para quem tinha medo de mudanças na obra original.  Isso se deve bastante a aspectos técnicos, já que a direção, a edição e a música se mostram extremamente competentes em transpor o sentimento frenético e um tanto irresponsável do livro, ao mesmo tempo em que conseguem passar aquele gosto de road movie sem que se perca o foco nos personagens. On the Road também evita a perigosa armadilha de se tornar um filme dito comercial, mesmo com os ‘grandes nomes’ presentes no elenco. Enfim, não é que não seja possível vender On the Road, mas sinto que este filme perderia muito se tentasse agradar audiências mais amplas.

Além disso, é preciso dizer que as atuações são, definitivamente, algo a se respeitar. Hedlund, sobretudo, transborda o carisma e a loucura que se esperava de um Dean Moriarty. Já Sturridge, por sua vez, faz um papel muito palpável e intenso e até mesmo a criticada Kristen Stewart mostra bem o crescimento de uma personagem que, mesmo vivendo em uma espiral para o abismo, descobre que é preciso mais do que o momento para poder se viver.

O problema maior não está no filme como obra cinematográfica, mas no livro que a originou e, justamente, no motivo pelo qual ela custou tanto a ser adaptada. A mensagem do filme está muito distante da nossa realidade – apesar de certamente ser um momento decisivo da história dos Estados Unidos, não podemos falar que nos identificamos plenamente com aquela juventude inconsequente e com sonhos de liberdade. Nas palavras do próprio Sal Paradise, eles queimam, queimam e queimam como fabulosos fogos de artifício, em um misto de paixão e ímpeto destrutivo.

Assim sendo, é realmente complicado julgar On the Road por aquilo que ele é, não pelo que ele representa. O que quero dizer é que esse não é o tipo de filme que será unanimemente aclamado e, muito provavelmente, não será um sucesso de bilheteria. Se você leu o livro e gostou, certamente o filme vai agradar, pois é uma adaptação sensível e competente que já era esperada há algumas décadas. No entanto, caso você não goste ou simplesmente acredite que essa é uma ideia datada, não é este filme que fará você mudar de ideia. De todo modo, On the Road merece ser visto, pois, independente do seu gosto particular, é difícil não enxergar o valor do filme.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

RELACIONADOS

0 recados