Divagações: 10 Cloverfield Lane

Vivemos em uma época em que é cada vez mais complicado fazer suspense. Não bastasse segurar as surpresas na obra em si, é também necessári...

Vivemos em uma época em que é cada vez mais complicado fazer suspense. Não bastasse segurar as surpresas na obra em si, é também necessário lidar com as pressões dos estúdios que constantemente questionam a maneira como um filme está sendo vendido. Cada vez mais vemos trailers que destrincham todo o enredo de um filme mesmo seis meses antes dele chegar aos cinemas, contando as melhores piadas, mostrando sequências importantes e revelando as maiores surpresas – sobram apenas os restos para a experiência cinematográfica.

10 Cloverfield Lane viu os dois lados dessa moeda. Por um lado, o diretor Dan Trachtenberg fez questão de manter a produção debaixo dos panos até menos de dois meses antes da estreia, em uma tentativa de evitar a superexposição. Por outro, nem ele conseguiu evitar alguns materiais promocionais que revelaram o que era para ser segredo. Quanto a mim, de vez em quando me dou ao luxo de evitar ao máximo trailers e pôsteres para certos filmes e, felizmente, pude ver este filme completamente às cegas. A única coisa que eu sabia é que ele tinha alguma relação com Cloverfield e que ambos os filmes foram produzidos por J.J. Abrams.

Tentando evitar estragar surpresas, a trama se mostra de forma bastante básica. Após sofrer um acidente de carro, Michelle (Mary Elizabeth Winstead) se vê presa em um bunker subterrâneo, trazida para ele por Howard (John Goodman), um teórico da conspiração que afirma que uma catástrofe contaminou o ar do lado de fora. Lá dentro ela também encontra com Emmett (John Gallagher Jr.), um sujeito que, apesar de corroborar com a história de Howard, não parece entender bem o que está acontecendo.

A primeira coisa a que o filme remete é um daqueles episódios de Twilight Zone, em que existem muito mais perguntas a serem feitas do que respostas a receber. Para esse tipo de obra, o excesso de exposição pode ser muito mais prejudicial do que simplesmente deixar algumas pontas soltas; e, felizmente, este filme está completamente consciente disso, uma vez que não tem medo de deixar de lado coisas que pareciam realmente importantes no início em prol de perpetuar a relação de ignorância do expectador. Não duvido que essas lacunas possam incomodar algumas pessoas, mas certamente é o tipo de coisa que ajuda a dar ritmo e tom a todo a produção.

Falando em ignorância, acho que esse é o maior mérito da obra, ainda mais dentro do seu gênero. 10 Cloverfield Lane consegue puxar o espectador no mesmo passo em que conduz o protagonista. Você sabe o que Michelle sabe e tem as mesmas dúvidas que ela sobre as ‘verdades’ que o filme conta. Ainda que nem tudo seja completamente surpreendente, pelo menos existe uma condução bastante hábil que nos leva a esse momento. Quando se olha para trás, a existência ou a ausência de uma grande revelação se torna muito menos importante do que o caminho até lá.

Essa impressão é intensificada pelo bom trabalho de direção e de sonorização que, mesmo sendo um pouco óbvios, conseguem tornar o ambiente constantemente claustrofóbico. Isso poderia cansar, não fosse o fato do filme conseguir se manter enxuto, concentrando esse suspense em pouco mais de uma hora e meia.

O elenco reduzido, inclusive, potencializa ainda mais essa dinamicidade, sendo que o trabalho de John Goodman merece um especial destaque. Ele está em tantos filmes escrachados que as vezes esquecemos de que é, efetivamente, um bom ator quando o papel permite. Sem o desconforto causado pela constante dubiedade de Howard, o filme não causaria a mesma tensão.

Esses fatores somados tornam 10 Cloverfield Lane uma experiência bastante agradável, ainda que não revolucionária. Não sei se os fãs de Cloverfield que esperavam uma continuação direta sairão satisfeitos, mas compreendo a intenção de fazer uma obra que, mesmo não relacionada, compartilha de alguns elementos. Se a vontade de transformar isso em uma ‘antologia’ realmente for para frente, certamente vou querer ver o resultado.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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