Divagações: Us
20.3.19
É meio que inexplicável como Jordan Peele, um escritor e ator famoso pela comédia, acabou se tornando um nome forte do terror nos últimos anos. Depois da sua estreia diretorial no ótimo Get Out, Peele não parecia nem um pouco interessado em largar o osso e encarou o desafio de lançar outro filme no mesmo gênero – só que, dessa vez, sem a vantagem de não precisar lidar com nenhuma expectativa do público ou do estúdio. Enquanto muitos sucumbiriam sob esta pressão, Us prova que Get Out não foi só um lance de sorte e que Peele realmente sabe o que está fazendo.
Adelaide (Lupita Nyong'o), uma mulher atormentada por um acontecimento traumático em sua infância, retorna justamente para o local do ocorrido décadas depois durante uma viagem em família com seu marido Gabe (Winston Duke) e seus filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex). Ainda que apenas inicialmente desconfortável em estar ali, Adelaide vai ficando cada vez mais inquieta com uma série de estranhas coincidências que prenunciam que algo de muito errado está acontecendo. Isso culmina com a chegada de “gêmeos” um pouco grotescos dela mesma e de seus familiares – e que não parecem estar muito felizes em vê-los. A partir desse ponto, as coisas só vão ficando cada vez mais estranhas.
Com uma atmosfera bizarra e esquisita, Us realmente segue um pouco o caminho de Get Out ao mostrar um horror mais centrado no desconforto e no deslocamento da realidade, ou seja, sem apelar para caminhos óbvios, como a violência extremada ou os sustos baratos. Em resumo, é um filme certamente mais atmosférico do que qualquer outra coisa. E esse é certamente o ponto mais forte da produção, sobretudo quando ancorado na ótima atuação de Lupita Nyong'o, tanto como Adelaide quanto como sua “sósia”, tornando a dicotomia o ponto central do filme e o que o move para frente.
Porém, depois de um filme que nos entregou além de um horror pungente toda uma discussão mais profunda sobre relações de raça nos Estados Unidos, Us parece bem mais básico e não se arrisca a fazer comentários sobre nada, o que é uma pena. Sei que talvez fosse forçar a barra esperar algo diferente, quando talvez Peele só estivesse querendo fazer um filme de terror, mas ainda assim. Não que isso não tenha o seu lado positivo, já que o longa-metragem talvez seja mais palatável para aqueles que abnegam qualquer papo de política no cinema (ou, melhor dizendo, qualquer discussão política que não agrade sua agenda).
Além disso, o filme também não teria o mesmo impacto sem a ótima trilha sonora de Michael Abels, que, mesmo não sendo muito experiente com cinema, trabalhou com Peele em Get Out e é fundamental para instituir o tom do longa, afinal, o terror é um desses gêneros que vivem ou morrem pela força de suas composições. Os trabalhos de direção, cinematografia e edição também são bem interessantes, tendo aquela qualidade especial de fazer o espectador questionar o quanto cada elemento é pensado dentro do produto final e o quanto cada enquadramento é proposital para referenciar os temas narrativos.
Ainda assim, se colocarmos o roteiro embaixo de uma lupa, bem, é possível ver alguns problemas e certas incoerências, que se tornam mais perceptíveis com o decorrer do filme. Felizmente, se você embarcar na atmosfera de estranheza, dá para ignorar esses furos tranquilamente, já que o longa nunca esteve sob o escrutínio de tentar ser realista ou algo assim.
Us é um filme muito interessante, mesmo que não chegue aos pés de Get Out, com o qual será obrigatoriamente comparado. Ainda assim, certamente, é mais uma produção forte na cinematografia do diretor e me deixa animado para continuar acompanhando a sua carreira – e eu nunca fui lá um grande fã do gênero. Aliás, o humor característico de Jordan Peele também se faz presente e está entremeado no roteiro, com pequenas sacadas que são engraçadas no contexto, mas que não destoam tematicamente com o resto do filme.
Assim, ainda que eu não o considere imperdível e reconheça suas falhas, Us é uma recomendação fácil para quem gostou de Get Out e para aqueles que sentem falta de um terror menos óbvio nas telas do cinema.
Outras divagações:
Get Out
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Adelaide (Lupita Nyong'o), uma mulher atormentada por um acontecimento traumático em sua infância, retorna justamente para o local do ocorrido décadas depois durante uma viagem em família com seu marido Gabe (Winston Duke) e seus filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex). Ainda que apenas inicialmente desconfortável em estar ali, Adelaide vai ficando cada vez mais inquieta com uma série de estranhas coincidências que prenunciam que algo de muito errado está acontecendo. Isso culmina com a chegada de “gêmeos” um pouco grotescos dela mesma e de seus familiares – e que não parecem estar muito felizes em vê-los. A partir desse ponto, as coisas só vão ficando cada vez mais estranhas.
Com uma atmosfera bizarra e esquisita, Us realmente segue um pouco o caminho de Get Out ao mostrar um horror mais centrado no desconforto e no deslocamento da realidade, ou seja, sem apelar para caminhos óbvios, como a violência extremada ou os sustos baratos. Em resumo, é um filme certamente mais atmosférico do que qualquer outra coisa. E esse é certamente o ponto mais forte da produção, sobretudo quando ancorado na ótima atuação de Lupita Nyong'o, tanto como Adelaide quanto como sua “sósia”, tornando a dicotomia o ponto central do filme e o que o move para frente.
Porém, depois de um filme que nos entregou além de um horror pungente toda uma discussão mais profunda sobre relações de raça nos Estados Unidos, Us parece bem mais básico e não se arrisca a fazer comentários sobre nada, o que é uma pena. Sei que talvez fosse forçar a barra esperar algo diferente, quando talvez Peele só estivesse querendo fazer um filme de terror, mas ainda assim. Não que isso não tenha o seu lado positivo, já que o longa-metragem talvez seja mais palatável para aqueles que abnegam qualquer papo de política no cinema (ou, melhor dizendo, qualquer discussão política que não agrade sua agenda).
Além disso, o filme também não teria o mesmo impacto sem a ótima trilha sonora de Michael Abels, que, mesmo não sendo muito experiente com cinema, trabalhou com Peele em Get Out e é fundamental para instituir o tom do longa, afinal, o terror é um desses gêneros que vivem ou morrem pela força de suas composições. Os trabalhos de direção, cinematografia e edição também são bem interessantes, tendo aquela qualidade especial de fazer o espectador questionar o quanto cada elemento é pensado dentro do produto final e o quanto cada enquadramento é proposital para referenciar os temas narrativos.
Ainda assim, se colocarmos o roteiro embaixo de uma lupa, bem, é possível ver alguns problemas e certas incoerências, que se tornam mais perceptíveis com o decorrer do filme. Felizmente, se você embarcar na atmosfera de estranheza, dá para ignorar esses furos tranquilamente, já que o longa nunca esteve sob o escrutínio de tentar ser realista ou algo assim.
Us é um filme muito interessante, mesmo que não chegue aos pés de Get Out, com o qual será obrigatoriamente comparado. Ainda assim, certamente, é mais uma produção forte na cinematografia do diretor e me deixa animado para continuar acompanhando a sua carreira – e eu nunca fui lá um grande fã do gênero. Aliás, o humor característico de Jordan Peele também se faz presente e está entremeado no roteiro, com pequenas sacadas que são engraçadas no contexto, mas que não destoam tematicamente com o resto do filme.
Assim, ainda que eu não o considere imperdível e reconheça suas falhas, Us é uma recomendação fácil para quem gostou de Get Out e para aqueles que sentem falta de um terror menos óbvio nas telas do cinema.
Outras divagações:
Get Out
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
0 recados