Divagações: Jean Charles

O que contar sobre a história de um rapaz morto por acidente? Que ele é um brasileiro morando em Londres, gente fina, que manda dinheiro par...

O que contar sobre a história de um rapaz morto por acidente? Que ele é um brasileiro morando em Londres, gente fina, que manda dinheiro para a mãe, que ajuda os amigos e familiares a conseguir passaporte etc.? Não há problema em algum em mostrar essas coisas, mas isso não faz um filme. É preciso ter uma história que cative as pessoas, capaz de manter o expectador olhando para a tela durante toda o tempo de filme com a máxima atenção.

Jean Charles não tem história. Tem um jeito interessante de mostrar a cidade, tem nomes interessantes no elenco (e um punhado de péssimas atuações também), tem um personagem principal amado e carismático, tem muitos elementos que o ajudariam a dar certo. Incluindo vários episódios interessantes da vida do rapaz. Mas falta um elemento que ligue tudo isso, que faça Jean Charles (o filme, não a pessoa) parar de caminhar sem rumo, sem objetivo. Até que o protagonista morre – em uma sequência que deveria ter sido melhor elaborada – e ele parece encontrar o seu lugar.

Se eu fosse a cineasta, teria feito tudo diferente. Ignorando toda a discussão sobre o caráter oportunista do filme, é difícil negar de que há um belo material para ser filmado. O problema é que a pessoa está esperando Jean Charles (Selton Mello) morrer desde o primeiro momento em que ele aparece em cena e tudo o que vem antes não chega a criar tensão alguma para esse momento – é apenas enrolação.

A princípio, penso em duas saídas para o filme. Na primeira, a história de Jean seria contada em paralelo com a luta da polícia contra o terrorismo, procurando dar um caráter mais politizado à obra. A segunda alternativa seria começar com o assassinato e explorar a vida de quem ficou, as lembranças, os protestos, tudo em um tom documental. Isso não exclui o fato de que seria preciso – acima de tudo – arranjar uma história interessante, provavelmente deslocando um pouco a atenção para algum personagem próximo, como eu achei que seria feito através de Vivian (Vanessa Giácomo), prima de Jean Charles.

Mas como eu não sou cineasta e o filme já está feito, só me resta assistir e divagar sobre essas e outras das escolhas do diretor Henrique Goldman. Na verdade, até me surpreendeu que um filme desse porte fosse dirigido por alguém que é, praticamente, um iniciante. Claro que isso não seria desculpa para um filme ruim (eu classifico Jean Charles como “aproveitável”), mas é interessante ver o que ele fez com tão pouca experiência em cinema comercial. Ao mesmo tempo, não sei se a filmografia dele a que tive acesso está completa, pois Goldman tem quase 50 anos e se diz “cineasta paulistano radicado em Londres”. Ao menos é o que aparece na assinatura de sua polêmica coluna publicada na revista TRIP.

Para mim, restou de Jean Charles (o filme, que fique bem claro) um retrato de Londres, feito por um brasileiro “radicado” por lá e nesse aspecto eu gostei do que vi. A cidade é antiga e não tem o mesmo apelo das grandes cidades americanas, mas traz esperança para aqueles que, como Jean Charles e Vivian, resolveram explorar um novo-velho mundo (ou talvez eu seja só uma menina com vontade de viajar e que fica imaginando coisas).

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