Divagações: Rope

Você conhece quantos filmes que têm apenas um cenário? Não vale pensar em filmes caseiros. Quantos deles são bons? Desde que vi Rope , não t...

Você conhece quantos filmes que têm apenas um cenário? Não vale pensar em filmes caseiros. Quantos deles são bons? Desde que vi Rope, não tenho nem criatividade para tentar colocar algum outro filme nessa “categoria”. Sim, só tem um cenário: é a sala de um apartamento e você pode ver de canto de olho o hall de entrada/cozinha/sala de jantar (não consigo definir bem esse cômodo). Sim, o filme é bom. Muito bom.

Baseado em uma história real, Patrick Hamilton escreveu a peça teatral que deu origem ao filme (e isso explica a limitação de cenário). Rope conta a história de dois amigos (John Dall e Farley Granger) que resolvem executar o assassinato perfeito e convidam para o jantar de comemoração os pais da vítima, a namorada, um amigo em comum e um professor que deu aula a todos. Como se não bastasse, a comida será servida encima do baú que abriga o corpo.

A ideia parece macabra o suficiente para você? Agora pense que o filme foi dirigido por Alfred Hitchcock. Ele explora o ambiente de forma a evitar o cansaço do expectador, mas sem provocar tonturas ou sustos fáceis. Todo o filme se baseia em uma tensão crescente que é compartilhada apenas com um dos assassinos, cada vez mais perto de colocar todo o plano a perder, principalmente na presença do astuto professor (James Stewart).

Convenhamos (e nesse ponto você está me achando muito chata por insistir nisso), foi muita ousadia do diretor decidir filmar em apenas um cenário e com longas tomadas. O estilo teatral nunca caiu bem no cinema e implica em muitas dificuldades técnicas. Como é possível ver na imagem que ilustra essa divagação, os atores estavam a todos os momentos prestes a esbarrar em câmeras ou tropeçar em fios. Além disso, foi a primeira experiência do diretor com um filme em cores, algo ainda pouco usual na época – principalmente se você considerar o gênero do filme.

Mesmo assim, ainda fica no ar a questão: como um filme de 1948 e com apenas um cenário pode ser interessante em 2010? O mérito é de Alfred Hitchcock. Ele é um diretor que sabe conduzir bem uma história, utilizando detalhes para atiçar a curiosidade. Quem vê Rope não desgruda os olhos daquele apartamento apesar do cenário único e da história tão simples. Afinal, o que é explorado não é a estrutura clássica de começo, meio e fim, mas a tensão provocada por uma situação específica e suas possíveis consequências.

Uma vantagem nesse sentido é a duração do filme. É possível explicar a situação, montar a ação de modo satisfatório, criar o clima desejado e concluir uma história como essa em 80 minutos bem aproveitados. Uma duração maior ou uma tentativa de extrair ainda mais dessa história poderia colocar tudo a perder – ou seja, é um filme nas medidas certas, algo que é raríssimo e digno de muita admiração. É por causa de filmes como esse que Hitchcock é chamado de mestre.

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