Divagações: Papurika
20.4.11
Lançado em 2006, Papurika (páprica, transcrito a partir do sistema fonético do Japão) é também o último filme que o diretor Satoshi Kon finalizou em vida. Sua próxima obra, Yumemiru kikai está sendo finalizada pela equipe, após sua morte prematura no ano passado. Papurika também é seu filme mais conhecido, tendo um estilo bastante marcado na animação, mas, principalmente, na narração e no desenvolvimento psicológico dos personagens. Aqui, assim como em Perfect Blue, não há espaço para pessoas rasas.
O filme conta a história de um grupo de médicos e cientistas. Eles procuram curar os problemas psicológicos das pessoas através dos sonhos, utilizando um aparelho chamado D.C. Mini, ainda em fase de testes. Com esse recurso, um pesquisador pode entrar no sonho e interagir com o paciente ao mesmo tempo em que o sonho é gravado para análise posterior. As vantagens de um método como esse são, obviamente, inúmeras, mas os riscos também o são. No filme, isso fica evidenciado quando se compara a capacidade terapêutica de Paprika (Megumi Hayashibara) com o que acontece quando três aparelhos são roubados.
A partir desse ponto, o filme mescla sonhos com o mistério envolvendo toda a equipe, composta por personagens realmente interessantes. Além da enigmática Paprika, somos apresentados à terapeuta Chiba Atsuko (Megumi Hayashibara), ao inventor do aparelho Tokita Kohsaku (Tôru Furuya), ao médico Osanai Morio (Kôichi Yamadera) e ao detetive e paciente Kogawa Toshimi (Akio Ohtsuka), entre outros igualmente marcantes. Cada um desses personagens vai mostrando suas falhas e desenvolvendo uma trajetória própria ao longo do filme, caracterizando um forte apelo psicológico cheio de reviravoltas – como só os sonhos e os filmes são capazes de fazer.
O filme admite diversas comparações. Do recente Inception a The Matrix, passando por algumas animações da Disney como Pinocchio, Peter Pan ou Alice in Wonderland. As referências são inúmeras e fáceis de perceber, principalmente nos sonhos do personagem Kogawa Toshimi (divirta-se, as respostas aparecem no próprio filme). Resumindo, trata-se de um prato cheio para quem gosta de cinema. Mas mais do que ser uma salada de referências, o filme também é uma obra completa e complexa. Em Papurika, o diálogo entre o consciente e o inconsciente é perturbador por aproximar essas duas consciências em uma velocidade vertiginosa, causando um choque para os próprios personagens. Como você se sentiria em ter seus sonhos escarafunchados? O que aconteceria se o seu pesadelo tomasse conta do mundo real? Garanto que os estudantes de psicologia vão se divertir ainda mais com as questões e possibilidades que o filme coloca.
Baseado no livro de Yasutaka Tsutsui, Satoshi Kon roterizou e dirigiu (e dublou) um filme único, sensível e marcante. Essa animação não é um divertimento leve para uma tarde entediante, é um filme que prende a atenção com seu conteúdo e encanta os olhos com sua qualidade. Existem rumores sobre um remake em 2013, feito com atores e dirigido por Wolfgang Petersen. Não sei se vai vingar, mas não acho que seja necessário. Prefiro voltar minhas atenções para Yumemiru kikai, próximo filme de Satoshi Kon.
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