Divagações: Hugo

Existem coisas na vida que você simplesmente adora. Eu, por exemplo, amo trens, velhas estações, salas de cinema, bibliotecas com estante...

Existem coisas na vida que você simplesmente adora. Eu, por exemplo, amo trens, velhas estações, salas de cinema, bibliotecas com estantes altas e acho que meninos com olhos azuis estão entre as coisas mais fofas do mundo. Logo, sou considerada extremamente suspeita para falar de Hugo, um filme que inclui todas essas coisas (embora tenha cachorros demais para o meu gosto). Desde o primeiro trailer senti muita vontade de ver o filme, ainda mais porque não é todo dia que temos uma história ‘infantil’ contada por Martin Scorsese.

Digo ‘infantil’ assim mesmo, entre aspas, porque, embora seja protagonizado por crianças, o filme não é exatamente dirigido para elas. Quem ainda se recorda dessa fase da vida com certeza vai se sentir nostálgico e relembrar muitas coisas, especialmente sobre a maneira de ver o mundo e como os adultos tratam quem ainda não entende as ‘coisas de gente grande’. Em Hugo, a infância é retratada em um cenário difícil e cheio de dificuldades, de modo que seus personagens se escondem atrás de verdadeiras obsessões para manter quase intactas a esperança e a inocência.

O filme conta uma história passada na Paris da década de 1930, onde um jovem órfão chamado Hugo Cabret (Asa Butterfield) trabalha escondido dando corda aos relógios da estação de trem. Desde que eles continuem funcionando, ninguém vai reparar que ele está vivendo entre as paredes. Em seu tempo livre, ele se dedica a arrumar um robô que era o passatempo dele e de seu pai (Jude Law), morto em um incêndio. O boneco de metal é sua única companhia até que ele é pego roubando peças na loja de brinquedos da estação e o dono, interpretado por Ben Kingsley, fica com o caderno cheio de anotações sobre como arrumar o robô. Para tentar recuperar o objeto, Hugo pede ajuda e acaba se tornando amigo de Isabelle (Chloë Grace Moretz), afilhada do dono da loja. A menina percebe tudo como uma aventura de livro e apresenta um mundo bem mais divertido para seu novo amigo, que também tem algumas coisas a ensinar sobre a vida. Para completar, há todo o contexto da estação de trem, o que inclui um guarda (Sacha Baron Cohen) sempre disposto a mandar meninos sem pais para o orfanato.

Com a ajuda de uma excelente direção de arte, o universo cinzento da estação se transforma em um mundo mágico e colorido. Os relógios velhos e enferrujados passam a encantar e a tristeza se torna mais poética com o olhar de uma criança. É no decorrer da projeção que nos deparamos com o sofrimento do protagonista e percebemos como ele caminha para um final infeliz... Ainda bem que há reviravoltas!

Martin Scorsese aproveita essa história sobre Paris (que acaba carregada de britânicos) para fazer uma homenagem ao cinema. Assim como o menino, o diretor costumava ir ao cinema com seu pai e, mais uma semelhança, também viveu em uma época violenta e cruel que acabou por se refletir em seus filmes mais famosos, cheios de raiva e angústia. Já com Hugo, tudo é direcionado para o robô que ele quer arrumar para concluir um trabalho de seu pai. Enquanto crianças ansiariam para ver o menino concluir sua tarefa e ver algo mágico acontecer, os adultos temem pelo objetivo de vida que se esvai.

Mesmo com toda essa carga dramática, Hugo é uma grande homenagem do diretor ao cinema. Os primeiros filmes, os vaudevilles, as trucagens, tudo está presente de uma maneira mágica e única. Não é à toa que a Academy of Motion Picture Arts and Sciences se encantou com o filme e garantiu 11 indicações ao Oscar. E quem pode culpá-la? Afinal, não é fácil resistir a algo que traz tanta coisa que adoramos.

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