Divagações: Donnie Darko

Existem filmes bem calculados e esse é um bom exemplo. Antes que apontem as falhas no roteiro, digo que estou genuinamente falando dos nú...

Existem filmes bem calculados e esse é um bom exemplo. Antes que apontem as falhas no roteiro, digo que estou genuinamente falando dos números. É incrível o número de referências ao dígito oito, além de outras questões como datas de aniversários e o ciclo da lua que vão se encaixando com o todo. Esse preciosismo todo demonstra o empenho do diretor e roteirista Richard Kelly em fazer seu primeiro (e praticamente único) filme.

Esse tipo de detalhes também atraem os maníacos por descobrir e escarafunchar uma obra, aquele tipo de gente que gosta de buscar detalhes ocultos e acaba, às vezes, encontrando mais do que o que realmente há. Para ajudar essa galera, Donnie Darko tem muitos símbolos religiosos, além de cenas e frases que fazem referências a pessoas reais. É uma brincadeira deliciosa, perigosa e viciante. Infelizmente, falta um pouco de maturidade na obra, mas ela tem outros tantos méritos que compensam.

O primeiro ponto interessante a destacar é que a história se passa em 1988. Portanto, Donnie Darko se parece com um filme dos anos 1980. Não apenas nas roupas, nos cabelos e nas gírias, mas na qualidade de imagem, no enquadramento de câmera, no uso da música e na própria maneira de abordar a juventude. Protagonizado por um jovem problemático, o filme se entrega a todo o drama da adolescência, dando um poder fantástico a ela.

Donnie Darko (Jake Gyllenhaal) é um menino com problemas psicológicos. Ao mesmo tempo em que a irmã mais velha, Elizabeth (Maggie Gyllenhaal), tenta entrar em Harvard e a mais nova é uma criança fofa, ele não sabe o que quer da vida, menospreza seus professores, acredita que todos estão errados e tem visões com um macabro coelho gigante (James Duval) que diz que o universo irá acabar em menos de um mês. Para tentar lidar com isso, ele toma seus remédios, vai a sessões de terapia com a Dr.ª Lilian Thurman (Katharine Ross), enfrenta a professora Kitty Farmer (Beth Grant), debocha do palestrante Jim Cunningham (Patrick Swayze), sai para se divertir com os amigos (tente reconhecer Seth Rogen) e arruma uma namorada chamada Gretchen Ross (Jena Malone), além de pedir conselhos sobre viagem no tempo e outras coisas estranhas que vão fazendo sentido (ou quase isso) no decorrer da trama.

Não vale a pena entrar em muitos detalhes porque o ideal é ir descobrindo na medida em que a história se desenvolve. Embora o visual assuste um pouco, não se trata de um filme de terror. Assim, se você tem medo de sangue ou de não conseguir dormir de noite, não precisa sair correndo da sala. Donnie Darko se utiliza de um tema comum – as dificuldades da adolescência – e o potencializa. Dessa forma, mesmo que o protagonista faça coisas estranhas e condenáveis, é provável que boa parte das pessoas se identifique com ele e torça para que tudo dê certo. Afinal, a sensação de solidão em uma casa cheia, a necessidade de ser compreendido e diversas outras emoções de desespero abordadas no filme fizeram parte da vida de todos em algum momento.

Acredito que Donnie Darko funciona justamente por ter um protagonista nessa faixa etária (ele ainda cursa o Ensino Médio) e por possibilitar a compreensão de que tudo não passa de uma fantasia. Afinal, a partir do momento em que as coisas começam a funcionar como Darko deseja, mesmo que de um jeito torto e atravessado, é possível que os espectadores se lembrem de vinganças adormecidas que, um dia, fizeram parte de sonhos loucos.

Não que esse seja um tópico comumente abordado por quem quer verdadeiramente entender o filme. A verdade é que a história se fecha de uma maneira muito legal, mas capaz de abrir múltiplas interpretações. Como não sou especialista em viajar no tempo (quem me dera!), acho melhor não entrar nesses méritos por aqui, mesmo que minha cabeça também insista em se juntar aos malucos das mil teorias.

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