Divagações: Hamlet

O que é cinema? Muitos livros já foram escritos tentando responder a essa pergunta e sinceramente, trazer o assunto à tona pode deixar po...

O que é cinema? Muitos livros já foram escritos tentando responder a essa pergunta e sinceramente, trazer o assunto à tona pode deixar pouco espaço nesse texto para tratar do filme em si. De qualquer modo, já adianto que se trata da versão filmada de um espetáculo de teatro, passada na televisão britânica e distribuída gratuitamente pela internet no site da companhia de teatro Royal Shakespeare Company (embora essa opção não esteja disponível para quem mora no Brasil, algo muito chato e injusto, diga-se de passagem). Ou seja, essa versão de Hamlet é bem diferente daquela mais famosa, feita em 1996 por Kenneth Branagh, ou até mesmo de qualquer outra que você, por ventura, tenha visto.

Adaptada para os dias atuais quando se trata de figurino e cenário, mas não quanto ao texto (ninguém toca nas palavras de William Shakespeare hoje em dia), o filme traz mais uma vez o clássico dilema de Hamlet (David Tennant), o príncipe da Dinamarca atormentado pelo fantasma do pai (Patrick Stewart) que, por sua vez, alega ter sido assassinado pelo próprio irmão, Claudius (Patrick Stewart, de novo). Para completar Claudius se casa com a rainha, Gertrude (Penny Downie), e a jovem por quem Hamlet é apaixonado, Ophelia (Mariah Gale), começa a se comportar de modo distante.

Esse angustiante drama, tão cheio de loucuras e com um ar adolescente, mantém suas características principais mesmo com as limitações de cenário e a constante sensação de teatro filmado (que não é sem razão). Isso se deve, em grande parte, ao excelente elenco que equilibra toda a postura necessária para a peça com uma maior suavidade, não chocando quem assiste pela televisão. Mesmo os que tem menor experiência com outros meios se adaptaram bem e a linguagem mista funciona sem problemas.

Obviamente, o texto é um pouco pesado e apenas os já iniciados poderão aproveitar melhor a encenação – mesmo assim, não é preciso ser nenhum especialista. Eu mesma, li o texto há muitos anos e consegui acompanhar sem problemas (a propósito, vou colocar alguns ‘spoilers’ nos próximos parágrafos). A duração também é razoavelmente longa (três horas) e talvez seja uma boa ideia fazer uma pausa para respirar entre os atos, algo que provavelmente seria feito no teatro.

A grande vantagem da simplicidade visual do filme é que ele se concentra com ainda mais força no drama. A mente perturbada de Hamlet guia os espectadores em suas dúvidas sobre o que é razão e o que é loucura, até que a morte de Polonius (Oliver Ford Davies) faz com que a completa insanidade de Ophelia sirva de parâmetro e o comportamento de Claudius comece a denunciar sua culpa. Mesmo assim, não se deixe enganar quando falo em ‘simplicidade visual’, pois o recurso das câmeras de segurança é bem criativo e o cenário é de uma beleza magnífica (aquele piso que mais parece um espelho é o sonho de muitas mães).

No final, o fato de Hamlet ser uma versão filmada de uma peça de teatro importa pouco para quem está interessado em um produto inteligente e bem realizado. Feito com capricho, o filme não é uma obra de amadores, mas de profissionais que sabem muito bem o que estão fazendo – e merecem respeito pela qualidade do que conseguiram.

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