Divagações: Drive
4.12.12
Certa vez, após uma enchente, um escorpião queria passar para o outro lado do rio. Ele, então, se aproximou de um sapo e pediu ajuda. O sapo se negou, mas o escorpião insistiu tanto que ele acabou concordando. Levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio. No meio do trajeto, o escorpião cravou seu ferrão no sapo. Enquanto ambos morriam – um afogado e outro pela ação do veneno –, o sapo questionou o escorpião, que respondeu que aquela era a sua natureza.
Dizem que essa história, acima adaptada de um site de fábulas e contos, foi uma das inspiradoras para o roteiro de Drive, escrito por Hossein Amini, com base no livro de James Sallis. As diversas referências a escorpiões encontradas durante o filme (inclusive nas costas do protagonista) valorizam essa teoria e reforçam os paralelos. No entanto, não acho válido que o filme seja resumido a isso.
A trama envolve um motorista de bandidos em fuga (Ryan Gosling), que também é mecânico e dublê de cenas de ação envolvendo carros. Um garoto simples, sem nome e com a possibilidade de um bom futuro pela frente. Ele acaba se envolvendo com a vizinha Irene (Carey Mulligan), mãe de um garotinho simpático chamado Benicio (Kaden Leos) e casada com o preso Standard (Oscar Isaac). Quando o marido de Irene é solto, o protagonista acaba se transformando em uma espécie de amigo e protetor da família, o que o leva a se envolver mais com o mundo do crime do que gostaria.
O filme tem a direção de Nicolas Winding Refn que, de certa forma, caiu de paraquedas no projeto após ser indicado por Ryan Gosling (por sua vez, substituto de Hugh Jackman). O ator, na verdade, estava tão interessado no projeto que chegou a reformar um Chevy Malibu 1973. Ele também levou o diretor para passear por diversos pontos da cidade, uma vez que Refn não dirigia e nem conhecia o lugar.
Esse comprometimento de toda a equipe aparece em cada sequência do filme e garante a Drive um aspecto de seriedade e confiança, mesmo que a história não seja particularmente inovadora ou até mesmo exija algo do gênero. Os criminosos do filme, aliás, parecem possuir histórias próprias e muito interessantes, remetendo aos perigosos mafiosos de The Godfather (especialmente o Nino de Ron Perlman).
Outro aspecto que merece ser tratado é o visual da década de 1980, presente nos pôsteres, nos figurinos e nos ângulos da filmagem. Por mais que a trama se passe nos dias atuais, há uma inegável aura retrô – parte do charme em se ter um protagonista mecânico e com uma vida dupla (ou tripla). Isso é mais interessante ainda quando consideramos a trilha sonora, uma vez que canções como Nightcall e A Real Hero foram lançadas na última década, mas colaboram com o clima.
Pensado em detalhes, Drive traz consigo uma grande carga em cada personagem, trechos de passados que parecem querer se mostrar para o espectador – mas que não aparecem e nos fazem acreditar que talvez seja melhor simplesmente não sabermos. Ao mesmo tempo, não há nada complexo ou difícil de entender. Trata-se de um bom filme, daquele tipo que merece ser visto mais de uma vez, sendo redescoberto em diferentes fases da vida. Quem sabe não é possível descobrir diferentes respostas para a fábula.
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