Divagações: Network

“I'm as mad as hell and I'm not going to take this anymore!” Absolutamente vazia e, ao mesmo tempo, capaz de fazer todos se ident...

“I'm as mad as hell and I'm not going to take this anymore!” Absolutamente vazia e, ao mesmo tempo, capaz de fazer todos se identificarem de alguma maneira, essa frase representa um dos momentos mais marcantes do cinema. Ela demonstra o poder dos meios de comunicação em influenciar as massas, a sanidade de um louco e a imprudência daqueles interessados apenas em lucro.

Dirigido por Sidney Lumet, Network conta a história de um âncora jornalístico prestes a ser demitido devido aos baixos índices de audiência. Deprimido com a notícia, Howard Beale (Peter Finch) anuncia em seu programa seguinte que pretende se suicidar ao vivo dentro de uma semana. O caso gera tanta repercussão que a rede decide mantê-lo no ar, principalmente depois que o jornalista passa a ter comportamentos estranhos e decide falar todas as verdades que vêm a sua cabeça.

Como contraponto a essa loucura está seu colega Max Schumacher (William Holden), um profissional que insiste em manter seus padrões éticos em uma emissora desesperada para sair do buraco. A rede, aliás, é personificada na figura de Diana Christensen (Faye Dunaway), responsável pelo desenvolvimento de novos programas. Ela chega, inclusive, a entrar em contato com líderes de organizações terroristas, desenvolvendo uma espécie de reality show alguns anos antes desse tipo de programa realmente existir.

Dessa forma, por mais que seja uma ficção e tenha certo caráter histérico, Network é uma sátira à situação real das emissoras de televisão (que chegaram ao cúmulo de criar reality shows!). O roteiro é um dos últimos trabalhos de Paddy Chayefsky, que teve uma carreira de mais de 40 anos dedicada à televisão, e retrata uma trajetória levemente similar a da Fox, surgida dez anos depois para ocupar justamente o lugar da fictícia UBS como a quarta emissora estadunidense, ao lado de ABC, CBS e NBC.

Concentrado em se manter nos bastidores e tratar o público como números, o filme vai aos poucos destruindo os ideais de cada personagem. Eles se corrompem a passam a constituir a massa da emissora, pensando como um organismo em processo de fagocitose. As sutilezas nas transformações fazem com que os trabalhos dos atores sejam essenciais para que o filme permaneça crível apesar do absurdo crescente. Não é à toa que Network tenha recebido cinco indicações ao Oscar e três prêmios na área de atuação.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a aula de cinema que Sidney Lumet dá no decorrer do filme. A fotografia (que também recebeu uma indicação) atua narrativamente através de um esquema próprio de iluminação, começando natural como um documentário e se tornando falsa como um programa de televisão, elemento acentuado pelos movimentos de câmera. Além disso, o uso da música é reduzido ao mínimo, existindo apenas nos comerciais e nas vinhetas da programação.

Com uma história interessante e bem contada, Network está na lista dos 250 melhores filmes do Internet Movie DataBase e só perde um pouco de apelo por ter sido lançado em 1976 (infelizmente, as pessoas não gostam de filmes ‘velhos’). Ele traz raiva, benevolência e indignação de um modo diferente da óbvia manipulação feita por seus personagens, mais provocando que efetivamente pedindo por uma ação. Trata-se de um filme corajoso, diferente do que normalmente vemos e com uma identidade própria, impossível de ser confundido com imitações.

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