Divagações: Still Alice

É interessante pensar como o cinema, com seus filmes de poucas horas e narrativas condensadas, é capaz de provocar emoções tão poderosas ...

É interessante pensar como o cinema, com seus filmes de poucas horas e narrativas condensadas, é capaz de provocar emoções tão poderosas em seu público. Ainda que seja comum ver obras por aí que se orgulham da sua capacidade de fazer rir ou chorar, existem produções que se dedicam inteiramente a sua habilidade de causar desconforto, arrancando do expectador uma dose de reflexão a força, ao confrontá-los com questões evitadas no dia a dia. Não sei se é uma questão de escapismo, mas eu geralmente não sou um grande entusiasta desse tipo de filme, tanto é que sempre arranjo desculpas para não ver Amour, já que perder meu sono questionando sobre a efemeridade da vida e sobre a inevitabilidade da velhice está longe do meu conceito de diversão. A verdade é: eu não gosto de me sentir mal.

Porém, eu sabia que Still Alice seria um filme que levantaria esse tipo de questionamento. Afinal, como a história de uma brilhante linguista diagnosticada com Mal de Alzheimer poderia acabar de modo bom ou inspirador? Com exceção de qualquer resolução fantástica e absurda, isso certamente não seria possível. Assim, tal como a protagonista que se vê presa a um processo irremediável de decadência de sua mente e corpo, nós nos vemos presos a um inevitável final trágico.

Pouco após seu aniversário de 50 anos, Alice Howland (Julianne Moore), começa a sentir os primeiros sintomas de uma doença que seria diagnosticada como um Alzheimer precoce. As consequências não afetam apenas a carreira de professora e pesquisadora de Alice, que vê sua memória cada dia mais comprometida pela doença, mas também atinge o relacionamento com seu marido, John (Alec Baldwin) e com suas filhas, Anna (Kate Bosworth) e Lydia (Kristen Stewart), que se veem obrigados a conciliar o estado de saúde de Alice com seus próprios problemas pessoais.

Ainda que a premissa siga de modo previsível, Still Alice se sustenta muito bem por conta de suas grandes atuações – poucos serão capazes de dizer que Julianne Moore não fez por merecer a sua vitória no Oscar. A atriz consegue como poucas passar a terrível sensação da perda e decadência que acompanham a doença, entregando um trabalho que, mesmo sendo um pouco contido, convence bem. Alec Baldwin também se destaca, apesar de perder importância com o passar do filme, desperdiçando boa parte do potencial dramático do personagem. A própria Kristen Stewart, sempre tão criticada por sua filmografia, produz uma atuação consistente que não desaparece no meio dos outros grandes nomes do elenco.

Apesar disso, o filme talvez peque ao não entregar algo além do que era esperado dele. Talvez seja pela teimosia da direção de Richard Glatzer e Wash Westmoreland, excessivamente focada no drama da protagonista, deixando em segundo plano todos os personagens que orbitam ao redor dela e que, apesar de bem construídos, têm seus arcos dramáticos constantemente interrompidos e deixados para trás sem maiores explicações. Porém, arrisco dizer que essa seja a consequência de uma decisão consciente, já que, conforme o filme avança, a narrativa se torna cada vez mais entrecortada e pouco coerente, talvez tentando emular os poucos momentos de lucidez de Alice. Ainda que a intenção seja louvável, o resultado final não é tão favorável neste caso.

Essa inconsistência acaba minando o potencial do filme e tornando o drama um pouco menos palpável. Ainda que seja uma situação terrível perder sua memória e suas funções cognitivas desse modo, muitos de nós estão mais próximos do lado de quem fica, afinal, não é incomum pensar em um parente ou conhecido que sofreu algo parecido e a situação extremamente complicada que é estar próximo a uma pessoa que vai praticamente desaparecendo aos poucos. Deixar isso de lado é tornar a obra – com o perdão do trocadilho –, algo bem menos memorável.

No final das contas, Still Alice é um drama sólido que funciona bem e traz boas reflexões, sobretudo por conta do ótimo elenco, mas que acaba perdendo um pouco do brilho por não arriscar mais e não se decidir sobre o tipo de história que quer contar. Mesmo o desconforto sobre qual eu falei anteriormente acabou atenuado pela tendência da produção em jogar seguro e diminuir um pouco o peso da doença como forma a não ofender demais as sensibilidades do público. Uma pena, preferia muito mais ter saído arrasado do filme do que com a impressão de que houve tanto potencial desperdiçado.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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