Divagações: Carol
22.1.16
A homossexualidade e as questões de gênero têm ganhado muito espaço no cinema durante os últimos anos. Embora muitas vezes não conquistem o grande público, esses filmes demonstram que há espaço para discutir o assunto, expor, educar e contar histórias que, no fundo, trazem romances como qualquer outro filme. É uma questão de tempo para que isso se torne apenas um elemento casual.
Não que esse seja o caso de Carol, um filme que é intrinsecamente sobre a dificuldade em ser sincero aos seus sentimentos quando eles não correspondem às expectativas da sociedade. Aliás, o primeiro aspecto que me chama a atenção é, na verdade, o material original. Publicado originalmente em 1952 (e sob um pseudônimo), o livro de Patricia Highsmith mistura a criatividade da autora, que cria uma personagem inspirada em uma mulher que viu apenas de relance, com fatos da vida pessoal de uma pessoa amada.
Therese Belivet (Rooney Mara) é uma vendedora em uma loja de departamentos. Ela gostaria de ser fotógrafa, mas não tem recursos suficientes para investir nesse sonho. Seu namoro com Richard Semco (Jake Lacy) é perceptivelmente um relacionamento unilateral e ela está repleta de dúvidas sobre o futuro. Sem saber para onde ir, ela se deixa levar por uma maré que surge de surpresa em sua vida com a figura de Carol Aird (Cate Blanchett). Uma mulher madura, rica e em processo de divórcio, ela apresenta um mundo novo para Therese.
Mas nem tudo são flores. O marido de Carol, Harge (Kyle Chandler) sabe que a esposa esteve envolvida com outra mulher, Abby Gerhard (Sarah Paulson), no passado. Assim, ele decide usar essa informação para lutar na justiça pela guarda da filha de ambos, Rindy (Sadie e Kk Heim), o que pode atrapalhar o romance que acaba de surgir.
Por trazer a história de amor vivida por duas pessoas tão diferentes – uma artista em formação e uma socialite em crise –, Carol é um filme muito peculiar. Não dá para negar a imensa sensibilidade expressa em cada enquadramento, na trilha sonora de Carter Burwell (maravilhosamente acompanhada por peças da época) e no roteiro de Phyllis Nagy, mas o mais importante é que se trata de uma produção sobre questionamentos e incertezas. Therese é a mais leve das protagonistas, uma pessoa que se deixa levar (inclusive literalmente) por uma quase desconhecida e que acaba se envolvendo profundamente quase sem querer.
Embora não milite abertamente por uma causa, a produção representa algo muito maior do que a história dessas duas mulheres, seja a luta pelos direitos dos homossexuais ou a aceitação de um relacionamento lésbico pela sociedade. E o filme faz isso apenas ao nos mostrar que essas duas pessoas têm algo lindo pela frente, algo que tentam tirar delas por puro egoísmo. Afinal, elas sabem a época que vivem, são discretas e não pretendem ir às ruas, ou seja, vivem a própria vida evitando incomodar quem quer que seja.
Para fazer isso, o diretor Todd Haynes explora as sutilezas do contexto e as pessoas que suas duas protagonistas expõem para a sociedade. Elas não são óbvias em um primeiro momento. É preciso olhar de novo e com mais cuidado até que aparece um vislumbre de uma personalidade real, crível, íntima. Por ser uma obra dependente de suas personagens, atuação é fundamental. Nesse ponto, Cate Blanchett é quem tem a missão mais complexa, pois sua Carol é um enigma não só para o expectador, mas para a própria personagem de Rooney Mara.
Aliás, talvez o único ponto fraco do filme esteja justamente em Therese. Imatura e menos misteriosa, ela não consegue manter a atenção do expectador, que começa a se questionar como ela conseguiu conquistar alguém como Carol. Parece um ponto de vista irreal, de alguém que se apaixonou por uma pessoa que viu apenas de relance – o que não muda o fato de que um romance platônico continuaria sendo uma história de amor.
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