Divagações: Spotlight

Eu sou jornalista e amo o que faço. Gosto de ir atrás de informações, de aprender com pessoas de diferentes áreas, de cutucar gente (que ...

Eu sou jornalista e amo o que faço. Gosto de ir atrás de informações, de aprender com pessoas de diferentes áreas, de cutucar gente (que se acha) importante, de descobrir algo que outros podem ter deixado passar, de escrever uma reportagem e de sentir a repercussão. Também gosto de conviver com outros jornalistas no dia a dia de uma redação – e isso mexeu comigo em Spotlight. Senti como se conhecesse aquelas pessoas, os maneirismos, os conselhos, as provocações, as amizades e os desentendimentos. E essa sensação de que aquilo é real e tão próximo fez com a produção fosse capaz de me afetar muito. Saí da sala de cinema à beira das lágrimas e demorei para conseguir respirar normalmente. Saí percebendo que não poderia escrever uma resenha parcial e isenta de envolvimento pessoal. Ainda bem. É bom sentir que o cinema ainda é capaz de mexer comigo dessa forma.

Spotlight acompanha uma equipe de jornalistas investigativos do jornal The Boston Globe durante a apuração de uma polêmica reportagem envolvendo abusos sexuais de crianças por padres católicos. Em uma cidade extremamente religiosa, foi preciso a aparição de um editor de fora, Marty Baron (Liev Schreiber), para que a pauta começasse a render. Há descrença e desconfiança por parte da equipe de editores da publicação e também por parte dos repórteres, obrigando a equipe a manter segredo sobre seu trabalho.

Respondendo apenas a Baron e ao editor-chefe Ben Bradlee Jr. (John Slattery), o editor Walter 'Robby' Robinson (Michael Keaton) comanda sua equipe de repórteres com braço de ferro: Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Mike Rezendes (Mark Ruffalo) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James) vão às ruas, buscam por vítimas e abusadores, debruçam-se sobre pilhas e pilhas de reportagens e documentos e começam a transformar uma reportagem em algo maior, em uma forma de mudar o mundo, de tornar as coisas melhores ao expor um sistema podre. Entre suas principais fontes estão não somente as vítimas (Neal Huff, Michael Cyril Creighton, entre outros), mas também advogados (Stanley Tucci, Billy Crudup e Jamey Sheridan) e ex-membros da igreja (Richard Jenkins). Por sua vez, o cardeal Law (Len Cariou) preferiu não se pronunciar (o que mais me enoja é que ele saiu de Boston após o escândalo, mas em pouco tempo assumiu uma posição no Vaticano).

Sem transformar os jornalistas em heróis, Spotlight cresce justamente ao mostrar as fraquezas de cada um, as formas como eles lidam com o trabalho fora do horário do expediente e a coragem que precisam reunir para simplesmente seguir em frente. Mesmo dedicados à reportagem, eles precisam lidar com assuntos e crenças pessoais, com a pressão empresarial (um jornal precisa lucrar) e com outras demandas, como o ataque terrorista ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, que paralisou a investigação durante quase dois meses.

Ecoando fortemente a produções como All the President's Men, o diretor e roteirista Tom McCarthy (que assina o texto ao lado de Josh Singer) mostra o trabalho jornalístico e a realidade de Boston no começo do século 21 com grande preocupação com a verossimilhança. Como já é sabido que a reportagem foi publicada e teve grandes repercussões, ele desenvolve a tensão na relação entre os personagens. Pequenas sutilezas no comportamento passam a indicar muito e toda a produção assume um caráter mais humano. Expor as vítimas e fazer com que elas falem sobre algo tão sofrido é uma parte cruel e ingrata desse trabalho, mas o sentimento geral é que essa é a forma como eles podem ajudar, principalmente quando os advogados estão de mãos atadas.

Spotlight não é um filme fácil de digerir. Ao mesmo tempo, trata-se de um alívio em meio a tantas produções egoístas, que tratam sobre obsessões individuais e conquistas pessoais. Também é uma lembrança de que o bom jornalismo continua tão necessário quanto sempre foi. Mesmo no atual momento da internet e do excesso de informações, é preciso que alguém pense sobre tudo o que temos diante dos nossos olhos, questione, investigue, tire conclusões e exponha a verdade.

RELACIONADOS

0 recados