Divagações: Steve Jobs
12.1.16
Poucas pessoas podem ser consideradas tão influentes para o estilo de vida da última década quanto Steve Jobs. O empresário e co-fundador da Apple já transitava entre homem e mito ainda em vida, colecionando histórias sobre seu temperamento difícil e seus hábitos excêntricos. Então, não foi exatamente uma surpresa quando muitos tentaram capitalizar sobre sua figura após a sua morte, como foi o caso da apressada cinebiografia Jobs, de 2013.
Toda essa exposição, ainda muito recente, pode fazer o Steve Jobs de Danny Boyle soar dispensável, mas – felizmente – o filme encontra maneiras elegantes de mostrar um pouco mais da figura de Jobs sem cair na mesma exposição e linearidade de outras de obras biográficas. A ideia é ser mais um estudo sobre momentos fundamentais que marcaram a vida dessa grande personalidade, e menos a história de uma vida que o público, em teoria, já conhece.
A produção se passa nos momentos que antecedem três grandes conferências da carreira de Steve Jobs (Michael Fassbender): o primeiro Mac, em 1984; o Next em 1988; e, por fim, o iMac em 1998. Assim, nos é apresentado um recorte extremamente interessante da vida de Jobs e das suas relações com sua família e seus funcionários.
Também temos desde a paciência quase maternal de sua assistente Joanna Hoffman (Kate Winslet, que talvez seja a figura mais empática do filme) à conturbada relação com sua filha Lisa (Makenzie Moss, Ripley Sobo e Perla Haney-Jardine). Somando aos atritos constantes com o amigo de longa data Steve Wozniak (Seth Rogen), somos constantemente lembrados o quão falho Jobs era e quão longe ele era capaz de ir para alcançar seus ideais.
Sendo composto basicamente por séries de diálogos entrecortados que vem e voltam (o que é característico do roteirista Aaron Sorkin, desde seu trabalho em The West Wing), Steve Jobs consegue passar um clima verdadeiramente orgânico de tensão e expectativa, onde tudo está em jogo, os ânimos estão exaltados e as pessoas tendem a ser brutalmente sinceras. Isso, junto ao apelo visual da direção de Danny Boyle (que parece estar um pouco contido aqui, apesar de ainda bastante competente), torna Steve Jobs uma experiência bastante diferente do que era esperado de uma simples biografia.
Porém, por mais que o filme se mostre afiado tecnicamente, de nada adiantaria se Michael Fassbender não se mostrasse um ator a altura do papel – afinal, todo o filme orbita ao redor do protagonista e uma caracterização incompetente colocaria tudo a perder. Ainda que não seja impecável, Fassbender consegue incorporar bem a persona, metade mito e metade monstro, de um sujeito ambicioso e calculista, mas também terrivelmente frágil emocionalmente e assombrado por um passado mal resolvido.
Estranhamente, sinto que falta um pouco de humanidade no personagem. Ele é complexo e tridimensional ao mesmo tempo em que parece ser apenas um ícone, um pastiche das atitudes e comportamentos que esperamos daquela figura, sem que disso seja extraída uma fidedignidade.
Poderíamos perdoar isso no caso de uma representação de alguém desconhecido do público ou morto há muito tempo. Porém, quando se trata de uma figura que até pouco tempo era muito presente no cotidiano da nossa geração, é impossível deixar de notar certa artificialidade, sobretudo porque certas guinadas de comportamento parecem muito repentinas; são muito mais uma exigência de roteiro do que de um processo natural.
Não tenho dúvidas que Steve Jobs é um filme sólido e capaz de fugir dos clichês e dos lugares comuns de se fazer cinema biográfico, deixando o expectador a cargo de fazer a transposição entre o micro e o macro. Entretanto, por mais méritos que ele exiba, falta um detalhe que o torne verdadeiramente memorável. Talvez ainda seja muito cedo para contar essas histórias com o frescor necessário, talvez falte a própria figura de Steve Jobs uma camada de empatia que a traga para perto das pessoas comuns, já que mesmo em vida ele sempre soou como alguém a parte. De todo modo, é uma tentativa louvável e digna do empresário – mas, ao contrário do que acontece com o legado dele, não sei se é um filme que sobreviverá ao teste do tempo.
Outras indicações:
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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