Divagações: Kung Fu Panda 3

Talvez sejam os filmes infantis os que mais sofrem de um deterioramento criativo quando se trata de dar continuidade a uma franquia. Pensa...

Talvez sejam os filmes infantis os que mais sofrem de um deterioramento criativo quando se trata de dar continuidade a uma franquia. Pensados primariamente como obras com um apelo tão amplo quanto possível, esses longas-metragens voltados para crianças raramente têm uma riqueza de roteiro que torna a realização de uma sequência algo desejável ou organicamente necessário. Para completar, a necessidade de tornar a trama um veículo para o humor raramente traz consigo os benefícios de um universo interessante e expansivo.

Assim, não é de surpreender que poucas animações consigam chegar a um terceiro filme mantendo o frescor e a originalidade. Por padrão, quando um filme desse tipo chega ao número três, acende-se a luz de alerta e já é hora de repensar os rumos da série daí em diante.

Apesar de até gostar de Kung Fu Panda e da continuação, essa saturação dos personagens e da história já estava me preocupando. Entre merchandising, bonecos e séries de televisão, a franquia parecia estar rumando para o mesmo buraco em que Shrek, Madagascar e Ice Age foram parar, com excesso de continuações e ausência de originalidade. Ainda que o material original fosse talvez o mais promissor entre esses títulos, há um limite até onde é possível esticar a história do panda lutador.

Retomando de onde o anterior parou, em Kung Fu Panda 3 temos Po (Jack Black) continuando seu treinamento como o lendário dragão guerreiro, dessa vez assumindo o manto do seu mestre Shifu (Dustin Hoffman) como o professor da academia de artes marciais. Porém, não bastasse o fracasso de Po em lidar com a nova posição, o aparecimento de seu pai biológico Li (Bryan Cranston) e do poderoso vilão Kai (J.K. Simmons) obrigam o panda a partir novamente em uma jornada de autodescobrimento.

Sinceramente, o plot de Kung Fu Panda 3 soa extremamente similar ao do filme anterior, já que ambos bebem da mesma fonte do herói que tenta acertar contas com seu passado, porém, isso agora é feito de modo ainda mais literal e expositivo. Além da proposta derivativa, desta vez temos uma obra um pouco mais infantil e sem tanto apelo para os adultos – as próprias sequencias de ação, que prestavam até uma boa homenagem aos clássicos do kung-fu, agora se tornam excessivamente exageradas e sem impacto –, com os animais aliados de Po e mestres das artes marciais perdendo espaço na trama.

O humor é ainda mais bobo e visual, sobretudo com a mesma piada de pandas gordos sendo usadas a exaustão por conta da introdução de toda uma vila de pandas na história. Jack Black continua sendo ele mesmo e forçando o mesmo papel, o que pode ser um motivo a mais para torcer o nariz. A dublagem nacional, apesar de ser majoritariamente feita por profissionais e não ser tão tenebrosa quanto algumas que vemos por aí, não ajuda a apaziguar essa sensação, afogando o elenco de peso da versão original.

Apesar de não ter o nível absurdo de detalhamento de The Good Dinosaur, tecnicamente Kung Fu Panda 3 ainda é bem competente, com uma animação bonita e bem-feita e sequências que sabem muito bem utilizar essas qualidades. A música de Hans Zimmer continua muito boa no filme e entrega as referências necessárias para a ambientação chinesa da obra. E ainda é possível ver um grande carinho de alguns envolvidos na produção em entregar algo interessante e com uma temática diferente.

Porém, não consigo deixar de achar que, em relação ao filme anterior, houve um retrocesso tanto de escopo quanto de polimento em todas as áreas, sendo um projeto bem menos ambicioso e original – e, ainda pior, falta um desfecho realmente definitivo para as aventuras de Po, demonstrando que possivelmente existe o interesse em retomar a franquia.

Talvez para as crianças e para os pais que só querem uma aventura engraçadinha, Kung Fu Panda 3 seja satisfatório o suficiente, mas, para o resto do público, o filme talvez só sirva para demonstrar como a Dreamworks ainda está muito atrás da sua principal concorrente quando o assunto é fazer filmes capazes de atingir um público verdadeiramente amplo. Se a empresa quer continuar com a marca, resta a ela se reinventar e entregar algo capaz de justificar sua continuidade, pois se continuar jogando no seguro, restará a Kung Fu Panda o mesmo ostracismo de outras animações que foram abusadas por seus estúdios em troca de dinheiro fácil.

Outras divagações:
Kung Fu Panda 2

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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