Divagações: Megalopolis

Megalopolis
De vez em quando, coisas estranhas acontecem em Curitiba. No final de outubro, por exemplo, o diretor Francis Ford Coppola resolveu vir pessoalmente à cidade para promover o lançamento de Megalopolis, com direito a uma sessão especial no Cine Passeio (a lista de convidados, infelizmente, não me incluiu) e a uma aula magna no Teatro Guaíra (tentei, mas não consegui me inscrever a tempo).

A justificativa para essa escolha pouco usual foi que, em 2003, o cineasta chegou a morar por alguns dias na cidade; e, para completar, uma das inspirações para o protagonista do filme foi o urbanista e político Jaime Lerner. Sinceramente, essa história é tão absurda que, se fosse um filme, ela perderia muitos pontos por não fazer sentido.

De qualquer modo, esse fuzuê me motivou a ir ao cinema conferir Megalopolis, mesmo sabendo que eu encontraria um longa-metragem pretensioso. Mas a verdade é que, como em qualquer projeto repleto de ambições, o filme tem seus méritos, ainda que ele se perca em seu excesso de metáforas visuais e referências. Com isso, admito que a coragem para escrever a resenha demorou um bocado para surgir.

Em resumo, Megalopolis acompanha os membros da elite política e financeira da cidade de New Rome. Trata-se de um local fictício que lembra Nova York, misturando anseios atuais com costumes do passado e onde as pessoas importantes falam como se tivessem saído de uma peça teatral (às vezes, elas estão realmente declamando Shakespeare).

Parte desse grupo seleto, Cesar Catilina (Adam Driver) é uma figura polêmica, que se envolveu em escândalos na época do falecimento de sua esposa (Talia Shire), mas que ostenta uma “ideal maior” com suas visões utópicas para a cidade – além de ter um Prêmio Nobel pela descoberta de uma misteriosa substância. Um de seus principais rivais é o prefeito Cicero (Giancarlo Esposito), que também é o pai da curiosa Julia (Nathalie Emmanuel), que se encanta por Cesar.

Paralelamente, uma ex-namorada de Cesar, a ambiciosa Wow Platinum (Aubrey Plaza), tem seus próprios planos. Ela se casa com o avô dele, o banqueiro Hamilton Crassus III (Jon Voight), e incentiva outro neto do ricaço, o problemático Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), a se transformar em uma espécie de político populista. Como se não bastasse, no meio disso tudo, um satélite soviético entra na atmosfera da Terra e destrói uma parte da cidade.

Basicamente, Megalopolis tem uma trama de traições que acontece em um contexto muito maior. O protagonista lida com o dia a dia da política e dos enredos familiares com um ar de superioridade, sabendo que essas coisas o afetam, mas optando por direcionar suas reais atenções para seu onírico projeto de um mundo melhor. Ele está jogando o jogo, mas inventou suas próprias regras.

O problema é que, dessa forma, fica difícil criar uma conexão significativa com Cesar e suas utopias. Em diversos momentos do filme, eu me peguei concordando com outros personagens que pareciam manter os pés no chão e/ou acreditando que outras estratégias eram mais válidas. Ao manter seu status elitizado e pensar na cidade do alto de sua torre, o protagonista se recusa abertamente a lidar com questões urgentes em prol de um futuro melhor, prejudicando a vida das pessoas no tempo presente.

Questões políticas à parte (embora esse seja o cerne do filme), Megalopolis tenta ser um espetáculo visual. Contudo, os efeitos nem sempre são eficientes – e vários são apenas bregas. Soma-se a isso o fato de que as escolhas estéticas em termos de figurino e cenário são inconsistentes, gerando contrastes que às vezes parecem propositais, mas nem sempre. Assim, em meio a diálogos difíceis de acompanhar e uma estética que não é imersiva, torna-se fácil “sair” do filme e perder ainda mais da pretensa mensagem.

Desta forma, por ser uma ambiciosa colagem de referências e ideias, Megalopolis é muito mais complexo que o conceito de “fábula” que a produção tenta empurrar. Por não ter um paralelo concreto e facilmente perceptível, a produção parece buscar um significado mais amplo e universal, mas que também não funciona por conta do tom rocambolesco e oligárquico dos personagens e da trama. É, sem dúvida, um projeto visionário de um artista, mas também é algo insano e inalcançável para os meros mortais.

Comentários