Divagações: Zootopia

Animações costumam ficar restritas a um calendário de férias escolares, sendo voltadas quase que exclusivamente para crianças – apenas com...

Animações costumam ficar restritas a um calendário de férias escolares, sendo voltadas quase que exclusivamente para crianças – apenas com algumas piadas mais espertas para não deixar os adultos sofrendo demais. A princípio, Zootopia se enquadra bem nesse estereótipo. O estúdio deu uma escorregada com a estreia acontecendo junto com a volta às aulas, mas, de qualquer modo, trata-se de um filme muito bonitinho, passado em uma cidade com animais falantes e que traz um óbvio apelo para as crianças pequenas.

Mas talvez seja uma boa ideia olhar de novo e repensar esses conceitos. Assim como sua protagonista – que se recusa a permanecer na função que a sociedade espera que ela ocupe – o longa-metragem não é a aventura descompromissada habitual e, muito menos, a típica história dos contos de fada. Zootopia é um filme de investigação policial com um mistério razoavelmente interessante (ainda que bastante óbvio para quem conhece um pouco do gênero), uma dinâmica de personagens envolvente, muitas referências divertidas, piadas inteligentes e bem colocadas, além de um subtexto perfeitamente condizente com o momento atual da sociedade. Explicarei esse último ponto mais adiante.

O filme conta a história de uma coelha chamada Judy Hopps (Ginnifer Goodwin/Monica Iozzi). Embora toda sua família seja de plantadores de cenoura e seus pais incentivem que ela mantenha os pés no chão, ela sonha em ser policial desde criancinha e se esforçou muito para conseguir uma posição na cidade grande, ou seja, em Zootopia. A cidade em si simboliza um sonho ao trazer inúmeras espécies convivendo em harmonia e sem julgamentos prévios.

Mas, em sua nova vida, Judy precisa encarar aspectos mais práticos. Ela tem que lidar com vizinhos barulhentos, um chefe que não acredita em seu potencial e um trabalho que considera inferior a suas capacidades. Decepcionante, basicamente. Mas ela não desiste e acaba se envolvendo com um caso de desaparecimento. Praticamente sem apoio institucional da polícia, sua principal companhia é a raposa Nick Wilde (Jason Bateman/Rodrigo Lombardi), um trambiqueiro que ela poderia prender, mas que conhece bem a cidade e tem suas conexões.

Durante a investigação, ela se envolve em um mistério mais profundo e as consequências de suas descobertas são inesperadas – e essa é uma bela jornada. Ao mesmo tempo em que a protagonista percebe que fazer o certo não dá o senso de completude esperado, acompanhamos seu amadurecimento. Como muitos de nós, ela descobre do jeito difícil que viver em meio aos outros de forma independente vem com muitos desafios adicionais. Zootopia, inclusive, mostra que a Disney aprendeu bem a lição de Frozen: não adianta mais seguir os padrões pré-estabelecidos, uma vez que os valores da sociedade estão mudando.

Nesse caso, o filme aproveitou seu contexto ‘animalístico utópico’ para mostrar preconceitos sem forçar situações. Se a coelha (pequena, frágil, engraçadinha, boba etc.) fosse uma jovem policial, como a tratariam dentro de uma corporação majoritariamente masculina? Você confiaria nela para cuidar de um caso? E se a raposa (traiçoeira, malandra, golpista, pouco confiável etc.) fosse um rapaz negro? Não seria melhor simplesmente prendê-lo? Você não acharia que uma moça (frágil?) em sua companhia está em perigo ou ‘se arriscando’? Mas você pode dizer também que, colocando as coisas desse jeito, eu forcei a barra. É verdade: a Disney entregou as mesmas questões com mais sutileza. Só me arrisco a dizer que algumas crianças precisarão explicar a mensagem para seus pais depois da sessão.

Mas para não encerrar o texto nesse tom preciso assegurar que Zootopia é, sim, muito divertido. Sem contar que a cidade conta com uma popstar maravilhosa: Gazelle (Shakira).

Outras divagações:
Tangled
Wreck-It Ralph
Frozen
Big Hero 6

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