Divagações: Brokeback Mountain

A memória prega peças na gente. Já se passaram 10 anos desde a estreia de Brokeback Mountain e eu nunca havia revisto o filme, embora tiv...

A memória prega peças na gente. Já se passaram 10 anos desde a estreia de Brokeback Mountain e eu nunca havia revisto o filme, embora tivesse boas lembranças. Nesse segundo olhar acabei me surpreendendo com uma franqueza, um sofrimento e uma profundidade que simplesmente não haviam ficados gravados na minha percepção inicial. É bom perceber que, quando se cresce, sua visão também é capaz de mudar.

Mas do que exatamente eu lembrava? Para mim, o filme tratava da história de amor de dois cowboys, Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal). Sem poder assumir esse relacionamento no período e no local em que viviam (o sul dos Estados Unidos, na década de 1960?), eles acabavam formando famílias, o que não impedia que se sentissem incompletos.

Sinceramente, minha memória não estava muito errada, mas a verdade é que Brokeback Mountain é muito mais do que isso. Só para começar, a relação entre os dois protagonistas é tensa. Por mais que Ang Lee seja um diretor delicado, ele usou de todo o seu poder de sutileza para construir um cenário bonito, com ovelhas... Mas não para diminuir essa relação que, convenhamos, só surgiu porque nenhum dos dois protagonistas conseguiu controlar seus próprios desejos.

O soturno Ennis de Ledger é o que tem mais dificuldade para lidar com o fato de estar apaixonado por um homem. Ele mantém um relacionamento abusivo com sua esposa, Alma (Michelle Williams), e passa mais tempo escondendo tudo de si mesmo do que dela – e essa mulher sofre. Por sua vez, Jack tem uma maior facilidade para se aceitar e é uma pessoa mais respeitosa, esperançosa e fácil de se conviver. Ao mesmo tempo, isso não impede que ele tenha se interessado mais pela conta bancária de Lureen Newsome (Anne Hathaway) que pela pessoa.

Além disso, Brokeback Mountain não é sobre uma paixão de temporada, mas sobre um relacionamento que se estende (ainda que aos trancos e barrancos) durante muitos anos. Os dois personagens principais mudam muito ao longo do período retratado, assim como seus sentimentos. Não há mocinhos ou vilões. E é por isso que não vale a pena tentar simplificar um filme assim ou até mesmo tentar resumi-lo. Essa é uma daquelas obras feitas para continuar machucando durante muito tempo.

E o grande mérito está no fato de que todo o (belíssimo) cenário é apenas um enfeite. No fundo, tudo é sobre duas pessoas que se amam, mas que são impedidas de viver isso por pressões sociais e pessoais (Ennis, em especial, tem um trauma de infância que o afeta profundamente). Conhecer esses dois indivíduos, mostrar suas mágoas, seus defeitos e suas qualidades é mais interessante do que ver cowboys se agarrando em meio a ovelhas (para mim, pelo menos!).

Para completar, as personagens femininas não são abandonadas. Ambas trazem espectros bem diferentes do período e representam um quadro mais completo. São as esposas que fazem a conexão desses homens com o mundo; são elas que trazem um olhar que vai além dos dramas internos de cada um.

Brokeback Mountain é um romance, sim, mas não é uma idealização. É um daqueles filmes que espreme o coração e nos faz pensar sobre pessoas que já fizeram parte de nossa vida. Não importa exatamente com quem ou com qual situação você se identifique, esse é um filme feito para quem já se apaixonou e já sofreu por amor.

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2 recados

  1. Que texto lindo, Rê! E de verdade é incrível assistir novamente alguma obra muito tempo depois, quando notamos o quanto mudamos e podemos perceber detalhes que não nos marcaram naquela primeira vez. Fiquei morrendo de vontade de assistir novamente ;P

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    1. Fico feliz que você tenha gostado do texto, Rapha! O filme é mesmo muito lindo. E veja de novo, sim!

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