Divagações: Better Man

Better Man

Ofuscado por biografias mais convencionais e que retratam artistas de maior renome (pelo menos no mercado global), Better Man acabou ficando de lado nesta temporada de pesos-pesados, inclusive bombando no mercado estadunidense. A despeito disso, há algo de interessante nas escolhas insanas de Michael Gracey para este filme, o que instantaneamente me forçou a dar uma chance. Afinal, antes uma bomba de proporções épicas do que um filme que só faz escolhas seguras.

Idealizado durante um longo período de entrevistas com Robbie Williams (que não foram feitas com pretensão alguma de se tornarem um filme), Better Man é uma das poucas cinebiografias com o envolvimento direto do seu retratado que não tenta passar pano para o seu legado ou embelezar certas coisas.

Aqui temos a trajetória de Williams (dublado por ele mesmo e interpretado por meio de captura de movimento por Jonno Davies): a infância no interior da Inglaterra; o abandono do pai, Peter (Steve Pemberton); a ascensão com a boy band Take That no início dos anos 1990; sua relação complicada com a ex-namorada Nicole Appleton (Raechelle Banno); a carreira solo; o constante abuso de drogas e álcool; e todos os problemas decorrentes de vincular sua autoestima à fama.

Essa breve sinopse deixa claro que, estruturalmente, o filme não inova em muitas coisas, mantendo o ritmo e os tropos vistos por dezenas de vezes nesse tipo de história – a velha coisa de que evento “X” inspirou a música “Y”, infância difícil, drogas e dramas pessoais. Porém, a normalidade para por aí.

Para começar, a primeira decisão criativa única foi tornar o trabalho da equipe de efeitos visuais milhares de vezes mais difícil ao substituir o protagonista por um chimpanzé de computação gráfica (algo que, em nenhum momento, é reconhecido dentro da história). Não vou dizer que isso não tem propósito, uma vez que o macaco amarra alguns temas específicos da figura pública de Williams e da sua autoimagem. Mas não acho que esse seja um recurso particularmente bem utilizado ou fundamental para a trama; e ele certamente confunde parte do público.

O detalhe é que essa troca permite que Robbie Williams participe de modo integral da produção, algo que seria possível com um ator em seu lugar. Assim, temos uma verdadeira “sessão de terapia” do cantor, que revive e discute sua incapacidade de lidar com certos traumas e situações, com todos os erros que cometeu neste processo.

Williams admite que foi (e, até certo ponto, é) uma pessoa terrível – ele não tenta evitar a responsabilidade, mostrando uma visão bastante crua do período. Desse modo, embora o longa-metragem caia na mesma armadilha de Rocketman (também produzido por Michael Gracey) ao colocar seu arco final como um ponto transformativo para o protagonista (afinal, a vida real é bem mais complicada do que isso), Better Man convence em mostrar que esse é um processo bem mais interno e tênue do que qualquer outra coisa.

Falando em Gracey, tenho que bater palmas para a direção e admitir seu talento para o panachê dos musicais. Apesar de ele forçar um pouco a mão em algumas sequências, Better Man sempre tenta ser visualmente interessante, com transições de cena únicas, enquadramentos diferenciados e um ritmo que não é meramente de videoclipe, mas também não se prende à maneira mais tradicional de se filmar.

Gracey não tenta ser um Baz Luhrmann, compensando a pouca substância com um estilo exagerado, mas apresenta uma direção bem menos sóbria e mais segura do que eu esperava. Ele tem um olhar dinâmico e traz excelentes números musicais (como Rock DJ) e outras insanidades – como uma música que se transforma em um massacre ultraviolento de versões passadas do chimpanzé-Williams –, que só funcionam pelo comprometimento do filme em ser tão absurdo quanto possível.

Comparado com A Complete Unknown, que atraiu os holofotes neste mesmo espaço, Better Man é um filme menos polido tecnicamente e talvez até “pior” se for considerada a soma de suas partes. Porém, definitivamente, ele é mais ousado, humano e até mesmo mais interessante do que o seu competidor direto.

Sinceramente, eu não poderia ligar menos para Robbie Williams, mas o filme faz sua lição de casa bem o suficiente para que isso não seja um problema; e é trágico notar o quanto ele foi rejeitado pelo público. Talvez esta não seja uma produção para se ver urgentemente, mas os que tiveram sua curiosidade atiçada e curtem uma pitada generosa de esquisitice, certamente devem apreciar.

Outras divagações:
The Greatest Showman

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

Comentários