Divagações: Dune

É fácil apontar todos os erros de Dune , mas vamos começar pelo desafio. Adaptar um livro nunca é uma tarefa simples e os leitores sempre ...

É fácil apontar todos os erros de Dune, mas vamos começar pelo desafio. Adaptar um livro nunca é uma tarefa simples e os leitores sempre vão comentar que “o original é melhor”. Realmente, não há como competir como uma mídia sem tamanho pré-estabelecido e que permite que muito aconteça na mente de quem a consume – ouso até dizer que quando o filme é melhor que o livro, isso significa que o livro não é lá muito bom mesmo. Para completar, trata-se de uma obra de ficção científica com um universo completamente novo, diferentes classes sociais, planetas variados e, em grande parte, um ambiente inóspito. Obviamente, mundos fictícios repletos de dificuldades já foram criados com relativo sucesso no passado, mas esse se enquadra entre os mais complicados e as chances de que tudo não saia como o planejado sempre foram altas. E, bom, o resultado realmente não ficou de acordo com o plano.

Embora Frank Herbert, o autor do livro, tenha gostado da adaptação (pensando bem, se fosse um livro meu, acho que ficaria babando com qualquer coisa), o diretor do filme, David Lynch, evita comentar o assunto. Ele se recusa a responder sobre a produção em entrevistas e nega todas as versões tidas como ‘do diretor’ sob o argumento de que nunca teve a palavra final sobre a edição. Aliás, se você se lembra de Dune como um filme extremamente longo e interminável, é bem provável que você tenha caído em uma dessas tentativas de trazer a ‘versão definitiva’. Nos cinemas, a produção tinha exatos 137 minutos, o tempo máximo para que fosse feito o número padrão de exibições por dia. Em compensação, também há diversas versões mais curtas circulando em DVD (e afins) pelo mundo.

Não que, qualquer que seja o tamanho, Dune deixe de ser um filme cansativo. Apoiando-se em uma abertura com uma narrativa repleta de informações, a produção se arrasta justamente por introduzir muitos elementos em uma tacada só (e de uma forma tediosa para o espectador de uma obra audiovisual), gastando o restante do tempo com uma trama que pouco se aproveita desses dados. Seria muito mais efetivo apresentar um universo mais simples, deixando elementos para a imaginação – ou para a explicação dos fãs de plantão – e focar no suspense de uma trama repleta de tramoias.

A propósito, quem leu o livro percebe uma clara mudança de foco na transposição de uma mídia para a outra. No papel, essa é uma obra sobre agentes políticos tentando operar em um universo onde forças místico-religiosas têm grande valor – há quem as use, quem as ignore e quem as tema. Nesse contexto, o duque Leto Atreides (Jürgen Prochnow) se vê coagido pelo imperador (José Ferrer) a se mudar com sua concubina, Lady Jessica (Francesca Annis), seu filho, Paul (Kyle MacLachlan), e toda a sua corte para um planeta inóspito e desértico. O local, no entanto, é estratégico e fonte de uma importante matéria-prima do império, de modo que o barão Vladimir Harkonnen (Kenneth McMillan) usa de todas as suas forças para tomar o poder. Isso motiva Paul a buscar vingança ao lado dos habitantes locais, que o percebem como um messias.

Muito do que poderia ser interessante, contudo, acaba se perdendo em meio a efeitos especiais constrangedores (acredita, fazia-se coisas bem melhores em 1984) e a falta de uma importante camada na percepção de Paul sobre sua própria trajetória. Ele é um jovem bem treinado e consciente de seus objetivos e do que será necessário fazer para alcança-los. Além disso, as tribos nativas também são menosprezadas e tratadas com muito menos respeito que os grupos de ‘pessoas civilizadas’. Com isso, são várias camadas de compreensão que se perdem e que tornam a história um pouco mais simples, mas muito menos interessante.

Mas eu, obviamente, consegui tirar tudo isso de Dune porque li o livro de antemão. Os desavisados, acabam perdidos em uma confusão de conceitos jogados sem explicação, grandes momentos visuais que não têm continuidade, figurinos ridículos e desafios que não parecem lá muito difíceis. É de dar dó, uma vez que existe um potencial latente em cada personagem, em cada sequência... Para quem deseja que o filme fosse diferente, há algumas séries de televisão. Também é possível imaginar como seria a loucura visual idealizada por Alejandro Jodorowsky ou sonhar com o dia em que Hollywood resolva fazer um remake.

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