Divagações: Tallulah

A estreia diretamente na televisão, sem uma mísera passagem pelos cinemas, sempre foi tida como sinônimo de um esperado fracasso comercial...

A estreia diretamente na televisão, sem uma mísera passagem pelos cinemas, sempre foi tida como sinônimo de um esperado fracasso comercial. Mas o mundo está mudando e novos modelos estão sendo testados. Um deles envolve os serviços de streaming, que não apenas estão distribuindo produções como estão financiando projetos.

Tallulah é um exemplo dessa nova leva. O filme tem roteiro e direção de Sian Heder, uma profissional que entrou nas boas graças da Netflix graças a seu trabalho em Orange is the New Black. A produção tem um elenco interessante, esteve presente em importantes festivais – com direito a indicação a um prêmio em Sundance – e não deve ter custado muito caro, de modo que seria uma obra com rendimento quase garantido nas telonas. Ainda assim, seu lançamento foi feito exclusivamente pelo serviço de streaming.

A história envolve quatro mulheres que têm suas vidas cruzadas. Tallulah (Ellen Page) vive viajando em sua van com o namorado, Nico (Evan Jonigkeit). Com medo de se apegar e sofrer, ela acaba o afastando, mas a partida é ainda pior e ela decide reencontrá-lo. Margo (Allison Janney) é a mãe de Nico. Abandonada pelo filho e pelo marido, Stephen (John Benjamin Hickey), ela tenta manter sua vida na linha para evitar que tudo desmorone. Já Carolyn (Tammy Blanchard) vive a pressão de uma vida para a qual não estava preparada, onde dinheiro e maternidade se tornaram fardos em vez de bênçãos. Ela é mãe da pequena Madison (Liliana e Evangeline Ellis), que ainda não sabe de nada, mas pode ter sua vida completamente transformada após ser sequestrada por Tallulah em uma tentativa desesperada de se aproximar de Margo.

Todas essas mulheres têm homens importantes em suas vidas, mas eles são figuras secundárias por aqui. Nico fugiu, Stephen se casou com outro homem (Zachary Quinto) e o marido de Carolyn, Russell (Fredric Lehne), é uma figura tão ausente quanto autoritária. Assim, elas não estão isoladas do mundo – muito pelo contrário, elas andam nas ruas de Nova York, interagem com estranhos e vivem o cotidiano da cidade –, mas se encontram em uma posição em que seu papel como indivíduos fará toda a diferença no andamento da trama. Pode parecer bobo, mas não se vê algo assim em um filme todos os dias.

Tallulah é um filme sobre mulheres e que aborda temáticas relacionadas ao ‘universo feminino’ – filhos, família, beleza, solidão, expectativas sociais – de uma maneira bastante própria e pessoal. Isso está presente em cada detalhe. Em uma determinada cena, a personagem de Allison Janney encontra amigos de seu tempo de casada. Trata-se de uma conversa constrangedora e, contudo, assim que ela vira as costas, o comentário não é sobre a situação, mas sobre seu peso. Esse andamento das coisas é tão natural, que pode parecer um adendo desnecessário, mas ele é importante para o quadro geral.

Mas a produção não impõe uma agenda. O filme não é, de modo algum, sobre 'mulheres contra todos'. Ele é, na verdade, sobre o crescimento pessoal de cada uma de suas protagonistas. A desapegada Tallulah acaba sendo responsável por uma criança. Margo precisa enfrentar seus preconceitos e seu medo de mudança. Carolyn descobre que assumir responsabilidades é algo que deve vir de dentro dela, sem imposições externas. E Madison, que ainda nem sabe falar, entra nessa realidade maluca como tantas outras mulheres: na base do susto, do abandono e do grito.

Com atuações que se enquadram perfeitamente nessa proposta – intensas, mas não espalhafatosas –, Tallulah é um filme que mereceria o cinema pelo status representado pela telona. Ao mesmo tempo, essa é uma produção que pode se dar ao luxo de deixar as projeções de lado e fazer parte de algo novo, de um mundo novo.

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