Divagações: Ghost in the Shell

Kôkaku Kidôtai , a adaptação de 1995, talvez tenha sido – junto de Akira –, um dos maiores responsáveis pela popularização da animação ja...

Kôkaku Kidôtai, a adaptação de 1995, talvez tenha sido – junto de Akira –, um dos maiores responsáveis pela popularização da animação japonesa no ocidente no início dos anos 1990, além de ser uma das provas cabais de que animes também podem contar histórias profundas e relevantes. Tendo recebido inúmeras continuações e adaptações com o passar dos anos, era apenas uma questão de tempo para que Hollywood tentasse transformar o magnum opus do cyberpunk japonês em algo palatável ao público americano. Com uma versão cercada de polêmicas, sobretudo em relação ao elenco, e sob o olhar crítico dos fãs de longa data, Ghost in the Shell chega aos cinemas sem muito alarde e o resultado final é a epítome do morno.

Com algumas diferenças aqui e ali em relação ao filme original, Ghost in the Shell se passa em um futuro próximo, quando avanços na robótica permitiram o aperfeiçoamento cibernético dos humanos e até mesmo a manufatura de corpos sintéticos capazes de abrigar nossas mentes. Major Mira Killian (Scarlett Johansson) é a primeira dessa nova geração de ciborgues com um corpo completamente artificial. Ela usa seus talentos em prol da 9ª divisão de defesa de Tóquio, especializada em combater cybercrimes, sendo chefiada pelo sisudo Aramaki (Takeshi Kitano) e acompanhada por seu parceiro Batou (Pilou Asbæk). Porém, quando uma poderosa empresa de tecnologia começa a ser visada por um hacker chamado Kuze (Michael Pitt), as coisas acabam a se complicar para Major, jogando dúvidas sobre a veracidade de seu passado e seu propósito no mundo.

Infelizmente, Ghost in the Shell não soube exatamente como capturar o que tornava a obra original única e interessante, ou seja, a profundidade dos seus temas e a maneira como eles se encaixavam dentro daquele universo. A questão central não é exatamente o que nos torna humanos de um ponto de vista ontológico ou a nossa relação com a tecnologia, mas sim a história de uma pessoa tentando descobrir mais a respeito do seu passado, o que é consideravelmente mais raso e muito menos instigante do que algo que questiona a própria condição humana. Para completar, o filme subestima a inteligência do espectador ao matar as sutilezas da trama com uma personagem que só serve para entregar diálogo expositivo e revelar grandes detalhes da trama.

Porém, o longa-metragem não é de todo ruim. Existem pontos que deixam absolutamente claro o respeito que a produção teve com a obra original, principalmente o time de design, que consegue reproduzir alguns detalhes com excepcional fidelidade e acrescentar elementos que casam muito bem com o universo retratado no filme. Ainda que questione algumas decisões, especialmente a de tornar a Tóquio do filme em uma explosão de neons e hologramas – ao contrário da sociedade pós-industrial decadente que temos na animação de Mamoru Oshii –, acho que houve um equilíbrio entre a nova visão e a anterior, deixando o resultado geral bastante interessante para quem se interessa para esses detalhes visuais.

Cabe dizer também que o filme não tem exatamente os efeitos mais polidos e, apesar do esforço no design, a execução não é impecável. As coreografias de ação sofrem um pouco com isso, não conseguindo transmitir a mesma dinâmica e inventividade que a mídia animada tinha, apesar das tentativas de reproduzir sequências do modo mais literal possível – com graus variados de sucesso. Particularmente, acho que a primeira cena de ação consegue ser até melhor que a original, emprestando um pouco do design das geishas robóticas que vimos na série de televisão Kôkaku kidôtai: Stand Alone Complex.

Ironicamente, um dos pontos mais criticados antes do filme estrear é justamente um dos que menos incomoda. Mesmo que exiba um elenco majoritariamente branco para uma obra primordialmente japonesa, o filme encontra saídas interessantes para tornar essas escolhas o menos intrusivas possível, inclusive oferecendo uma explicação para a mudança da etnia da protagonista. O próprio time da Seção 9 é multicultural, dando a entender que o futuro é cada vez mais cosmopolita, sendo que sou obrigado a admitir que Pilou Asbæk foi uma escolha muito acertada para interpretar Batou. Scarlett Johansson, por fim, não fede nem cheira no papel – talvez se esforçando demais para dar o tom estoico da personagem, mas sem avançar mais do que isso em uma análise mais psicológica.

Ainda que fique feliz em ver um cyberpunk de verdade de volta aos cinemas – e que essa seja uma adaptação competente do material original – Ghost in the Shell continua sendo bastante tépido, não sabendo aproveitar as maiores forças do gênero. Ainda que passe longe de ser um insulto aos fãs, o filme se mostra como uma obra mais fraca, sem o mesmo peso do original e com aquela impressão de que a obra foi pasteurizada para o público ocidental. Se você não viu a animação, ela ainda se sustenta e continua recomendadíssima, servindo como uma porta de entrada muito mais apropriada para a franquia do que o live-action. Mas, se você já viu, Ghost in the Shell é absolutamente dispensável.

Outras divagações:
Snow White and the Huntsman

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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