Escrito por Harper Lee, To Kill a Mockingbird é um livro tocante, onde um mundo cruel parece estar prestes a melhorar. A situação não é fácil para mulheres ou negros durante os anos 1930, ainda mais no Alabama, mas já há quem abomine a segregação e acredite que elas são tão capazes quanto eles. As pessoas que almejam uma realidade melhor são a minoria e precisam lutar contra a tradição e a ignorância, mas elas sabem que esse é um caminho que precisa ser traçado – e quanto antes, melhor.

Ao contrário de muitas obras escritas posteriormente, essa não julga seus personagens, mas retrata a realidade que os cerca. A autora optou por usar olhos infantis para guiar sua história, traçando um universo cheio de detalhes a partir de suas próprias lembranças. A maior parte dos personagens, inclusive, é baseada em pessoas reais, incluindo um misterioso vizinho recluso que deu origem a Boo Radley (Robert Duvall) e seu amigo de infância Truman Capote, que inspirou Dill Harris (John Megna).

Dessa forma, o que temos aqui é uma história sem um grande vilão maquiavélico, mas com um pai idealizado, uma cidade cheia de figuras excêntricas e diversos pequenos episódios que parecem não se conectar muito bem com a trama central. Como uma novela, isso funciona muito bem e garante uma leitura imersiva e tranquila, ainda que por mares profundos. A transposição para o cinema, entretanto, representa uma escolha arriscada, abertamente política e que poderia ser tediosa para o grande público.

Mas 55 anos se passaram e To Kill a Mockingbird continua a ser um filme encantador e necessário. O roteiro de Horton Foote é tão fiel ao livro quanto possível, sendo que as principais alterações podem ser compreendidas como tentativas de deixar a obra final mais ‘vendável’ sem comprometer sua história. Além disso, o diretor Robert Mulligan e o elenco encabeçado por Gregory Peck (também produtor do longa-metragem) parecem entender bem que a importância da mensagem é maior do que o filme em si.

Tudo se passa em um período após a grande depressão econômica que abalou os Estados Unidos. Ninguém está totalmente recuperado financeiramente, mas as famílias procuram manter seus status sociais. Atticus Finch (Peck) é um advogado viúvo que está tentando criar seus filhos da melhor maneira possível, inclusive dando à pequena Scout (Mary Badham) muito mais liberdades (e conhecimentos) que o recomendado para uma menina na época.

Atticus também aceita pagamentos em produtos agrícolas e participa do cotidiano de sua vizinhança como pode. Entre seus casos, contudo, um é bastante polêmico e coloca diversas pessoas da cidade contra a sua família. Tom Robinson (Brock Peters) é um homem negro, casado e respeitado em sua comunidade, mas que é acusado de estuprar uma mulher branca, Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton). Durante o julgamento, fica claro que a versão dos fatos dada pela vítima tem grandes problemas, mas o racismo pode acabar falando mais alto que a verdade.

Aliás, não só o racismo (evidenciado ainda pelas situações de moradia, liberdade religiosa e pela segregação dos acentos no tribunal). A situação de Mayella também merece atenção por muitos motivos. Ela foi efetivamente vítima de um crime, mas está dando um falso depoimento com toda a convicção que consegue reunir. Valores como família, o papel da mulher na sociedade e a rigidez das classes sociais devem ser questionados – seja em 1930, período da história, em 1962, quando o filme foi lançado, ou hoje em dia.

To Kill a Mockingbird é um filme que expõe muita coisa e de uma maneira bastante simples, basta ter olhos e prestar atenção. A criança que vivencia tudo isso parece ainda não ter a compreensão completa do que realmente está acontecendo e das consequências de cada ato, o que faz com que a mensagem seja ainda mais terna. Mesmo assim, sem pregar sua moral ou exigir padrões de comportamento, ela também nos dá uma lição. É uma menina quem dá a mão para um adulto com uma perceptível dificuldade de conviver em sociedade e o leva para a segurança de sua própria casa.