Divagações: Dunkirk

Acertando ou errando, não há como se dizer que Christopher Nolan não seja um cineasta ambicioso. Das paisagens oníricas e surreais de Inc...

Acertando ou errando, não há como se dizer que Christopher Nolan não seja um cineasta ambicioso. Das paisagens oníricas e surreais de Inception ao épico cósmico de Interstellar, Nolan sempre se desafia a trazer algo a mais em seus filmes – obviamente, com diferentes graus de sucesso e de aprovação ao longo de sua filmografia. Dunkirk, nesse caso, soava como uma escolha particularmente intrigante, pois há um limite sobre o que os filmes de guerra podem nos transmitir, ainda mais com a quase inevitável saturação do tema em todas as décadas da história do cinema.

Embora eu não esperasse algo particularmente revolucionário, admito que o filme começa muito bem, apresentando uma narrativa com uma proposta bastante interessante – onde acompanhamos a célebre evacuação de Dunkirk (que aparece em outros filmes, como Atonement) por diversos ângulos diferentes e em diversos períodos temporais distintos. Temos desde a semana de espera de um soldado britânico (Fionn Whitehead) ao dia em que um velho marinheiro civil (Mark Rylance) resolve se voluntariar para ajudar na evacuação, indo em direção a França com o seu pequeno barco comercial, passando pela última hora de combate que um piloto (Tom Hardy) tem para proteger os céus dos bombardeiros alemães antes que o seu combustível acabe. E essas histórias acabam se entrecruzando, criando uma narrativa bastante ampla e interessante do conflito.

O problema é que essa perspectiva, dotada de um afastamento proposital, retira boa parte do impacto emocional que o filme poderia ter. Ao dividir seus pretensos protagonistas em pequenos fragmentos de história e afastar qualquer semblante de pessoalidade e desenvolvimento de personagem, o resultado é um filme quase vazio. Os personagens até têm nomes, mas eles raramente importam e suas motivações são absolutamente básicas – da sobrevivência ao senso de dever –, não apresentando as nuances necessárias para tornar esses indivíduos tridimensionais, interessantes ou dignos de empatia.

Não me entenda mal. Dunkirk é tecnicamente impecável, com uma fotografia de cair o queixo e um senso de escala raramente visto no cinema. Do design de som fantástico (talvez um dos pontos mais fortes do conjunto) até a competente (ainda que previsível) trilha de Hans Zimmer, tudo conspira a favor do filme, demonstrando um enorme amadurecimento de Nolan como diretor – mas nem tanto como roteirista. Ainda mais: Dunkirk é um daqueles raros casos em que uma projeção em sala IMAX acrescenta muito à imersão, pois o ambiente combina perfeitamente com a amplitude passada pelas tomadas abertas das praias francesas e de suas filas de soldados tentando desesperadamente cruzar o oceano.

Os únicos problemas técnicos que poderia apontar nesse caso seriam a edição um pouco confusa, já que as sequências poderiam ser cruzadas de um modo mais harmônico, e a dissonância entre a escala do combate retratada por Nolan e a historicamente apontada – os 400 mil homens, as centenas de barcos e as dezenas de aviões raramente parecem assim tão numerosos. Mas não se pode vencer todas, ainda mais sem apelar para o excesso de efeitos visuais.

De qualquer modo, nem todos os louros da primazia técnica conseguem esconder as falhas de Dunkirk. O que poderia ser um filme fantástico se torna uma obra que depende muito mais do investimento do público do que de sua própria capacidade de transmitir uma mensagem. Você enxerga o peso daquela situação, mas, ao mesmo tempo, é incapaz de sentir algo por aquelas pobres almas – tanto inimigos quanto aliados são anônimos, sem rosto e sem passado, presos a uma guerra fútil e sem sentido. Isso, de certa forma, vai contra a mensagem de perseverança e heroísmo que o filme nos entrega em seu final, destoante do clima opressor e cinzento presente no resto da obra.

Para piorar, nosso afastamento cultural da 2ª Guerra Mundial torna a recepção do filme mais complicada. Tivemos uma participação ínfima no conflito, o que dificulta a criação de qualquer tipo de ligação ou empatia com aqueles personagens. Para um inglês, que vê sua pátria ameaçada por inimigos do outro lado do Canal da Mancha e seus adolescentes morrendo em vão, Dunkirk pode ter um peso emocional bem maior. Mesmo assim, essa situação por si só está longe de sustentar a carga dramática do filme, perdendo-se entre tantas outras produções de guerra que cometeram os mesmos erros.

Ao final, só posso dizer que Dunkirk é um filme bastante complicado. Ao mesmo tempo em que consegue ser tenso e intrigante, há momentos que são tediosos e até mesmo repetitivos. Enquanto as composições de cena são ótimas, não há muito o que fazer com elas, já que os personagens que seriam nosso elo com a trama são insípidos e é difícil se conectar com qualquer coisa que aconteça a eles. Não duvido que muitos adorem e que outros saiam bocejando do cinema. Aliás, em uma situação tão polarizante há pouco o que dizer senão: assista e forme sua própria opinião.

Outras divagações:
Batman Begins
Inception
The Dark Knight Rises
Interstellar

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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