Divagações: The Beguiled (2017)
15.8.17
Sofia Coppola é uma diretora conhecida pela estilização exagerada e por suas protagonistas femininas complexas e problemáticas, que se destacam por uma espécie de inadequação às normas estabelecidas. Assim, imagino que quando o livro original de Thomas Cullinan caiu em suas mãos, ela tenha encarado a missão de adaptá-lo para o cinema como algo absolutamente natural.
The Beguiled é um daqueles casos em que há um conflito simples e uma história bastante direta. Entretanto, a trama se complica pela complexidade das personagens e das relações entre elas. Tudo se passa três anos após o início da Guerra Civil dos Estados Unidos. Um colégio sulista para moças abriga apenas a diretora, Miss Martha (Nicole Kidman), uma jovem professora, Edwina (Kirsten Dunst), e meia dúzia de alunas, todas conscientes de que não têm exatamente para onde ir.
O dia a dia se passa com dificuldade e algumas privações, mas a rotina escolar mantém certa tranquilidade e distrai as moradoras em relação ao conflito. As coisas mudam quando a pequena Amy (Oona Laurence), que estava nas proximidades da propriedade em busca de cogumelos, encontra um soldado inimigo ferido, Johnny McBurney (Colin Farrell). Martha decide ajudá-lo, mas a presença de um homem convalescente na casa mexe com todas as moradoras – especialmente Edwina e a entediada adolescente Alicia (Elle Fanning) –, evidenciando rusgas e anseios. Para completar, as coisas ainda pioram quando McBurney se transforma em uma ameaça real à tranquilidade do lugar.
Essa, contudo, não é a primeira vez que essa história é contada nos cinemas e a comparação com a obra de 1971 é praticamente inevitável. Em The Beguiled, o olhar de Coppola, estranhamente mais fiel ao livro original, aproveita-se de alguns aspectos da adaptação anterior – como a diminuição no número de personagens e a simplificação de alguns conflitos – e traz alguns elementos próprios. Um deles, vale destacar, é a ausência de escravos. A compreensível justificativa da cineasta é que o tema precisaria ser abordado com mais atenção do que haveria espaço nessa trama, mas isso não muda o fato de que temos um filme muito branco em um contexto onde isso não é exatamente plausível.
De qualquer modo, enquanto o livro explora como cada moradora descobre, aos poucos, elementos da personalidade do estranho em seu meio, o filme de 1971 se detém nas reações femininas à presença de um homem. Aqui, entretanto, o enfoque está no isolamento, no desespero e na luta pela sobrevivência, com o personagem masculino sendo parcialmente uma vítima das circunstâncias (o que não diminui sua considerável parcela de culpa nos acontecimentos).
Por sua vez, a relação entre as mulheres da casa é revelada em detalhes que apenas se somam ao longo The Beguiled, beirando o exagero nas cenas finais. É uma crescente que funciona bem narrativamente, uma vez que a trama depende de tensão para funcionar, além de combinar com o sentimento geral de isolamento e carência afetiva. Essa maneira de contar a história ainda garante dúvidas sobre as motivações reais de cada uma das personagens, deixando no ar um mistério para a interpretação dos espectadores.
Com isso, ganha destaque a atuação de Kidman, que dá uma interpretação bastante própria a sua personagem. Sua Miss Martha é bastante crível como uma pessoa cristã que assumiu um grupo de garotas como sua responsabilidade, mas que sente falta de um passado glorioso e de riquezas abundantes. Ela também se difere consideravelmente tanto da encarnação mais leve de Geraldine Page quanto da irredutível, mal-humorada e problemática versão literária.
Tudo isso é acompanhado por uma fotografia dessaturada assinada por Philippe Le Sourd, onde espetaculares cenários e figurinos de época ganham um aspecto pálido, quase como se estivéssemos assistindo a uma história de fantasmas, de pessoas que já não fazem mais parte desse mundo. Ao mesmo tempo, os ambientes externos são mais vibrantes, com especial destaque para as belas árvores, vistas já na sequência original. Contudo, isso apenas reforça o isolamento das personagens, colocando-as em um mundo distante de tudo e cercado por uma natureza semisselvagem e com aspecto de um conto de fadas.
Com isso, é possível dizer que a beleza de The Beguiled está em seus contrastes. O filme parece ser delicado, etéreo e poético, mas sua história é violenta e repleta de ressentimentos. As intenções nunca são claras e as interpretações podem ser as mais diversas. Não é sempre que se encontra um filme como esse – e esse é um aspecto que precisa ser valorizado e incentivado, pois é essencial na arte de contar boas histórias.
Outras divagações:
The Beguiled (1971)
Somewhere
Bling Ring
The Beguiled é um daqueles casos em que há um conflito simples e uma história bastante direta. Entretanto, a trama se complica pela complexidade das personagens e das relações entre elas. Tudo se passa três anos após o início da Guerra Civil dos Estados Unidos. Um colégio sulista para moças abriga apenas a diretora, Miss Martha (Nicole Kidman), uma jovem professora, Edwina (Kirsten Dunst), e meia dúzia de alunas, todas conscientes de que não têm exatamente para onde ir.
O dia a dia se passa com dificuldade e algumas privações, mas a rotina escolar mantém certa tranquilidade e distrai as moradoras em relação ao conflito. As coisas mudam quando a pequena Amy (Oona Laurence), que estava nas proximidades da propriedade em busca de cogumelos, encontra um soldado inimigo ferido, Johnny McBurney (Colin Farrell). Martha decide ajudá-lo, mas a presença de um homem convalescente na casa mexe com todas as moradoras – especialmente Edwina e a entediada adolescente Alicia (Elle Fanning) –, evidenciando rusgas e anseios. Para completar, as coisas ainda pioram quando McBurney se transforma em uma ameaça real à tranquilidade do lugar.
Essa, contudo, não é a primeira vez que essa história é contada nos cinemas e a comparação com a obra de 1971 é praticamente inevitável. Em The Beguiled, o olhar de Coppola, estranhamente mais fiel ao livro original, aproveita-se de alguns aspectos da adaptação anterior – como a diminuição no número de personagens e a simplificação de alguns conflitos – e traz alguns elementos próprios. Um deles, vale destacar, é a ausência de escravos. A compreensível justificativa da cineasta é que o tema precisaria ser abordado com mais atenção do que haveria espaço nessa trama, mas isso não muda o fato de que temos um filme muito branco em um contexto onde isso não é exatamente plausível.
De qualquer modo, enquanto o livro explora como cada moradora descobre, aos poucos, elementos da personalidade do estranho em seu meio, o filme de 1971 se detém nas reações femininas à presença de um homem. Aqui, entretanto, o enfoque está no isolamento, no desespero e na luta pela sobrevivência, com o personagem masculino sendo parcialmente uma vítima das circunstâncias (o que não diminui sua considerável parcela de culpa nos acontecimentos).
Por sua vez, a relação entre as mulheres da casa é revelada em detalhes que apenas se somam ao longo The Beguiled, beirando o exagero nas cenas finais. É uma crescente que funciona bem narrativamente, uma vez que a trama depende de tensão para funcionar, além de combinar com o sentimento geral de isolamento e carência afetiva. Essa maneira de contar a história ainda garante dúvidas sobre as motivações reais de cada uma das personagens, deixando no ar um mistério para a interpretação dos espectadores.
Com isso, ganha destaque a atuação de Kidman, que dá uma interpretação bastante própria a sua personagem. Sua Miss Martha é bastante crível como uma pessoa cristã que assumiu um grupo de garotas como sua responsabilidade, mas que sente falta de um passado glorioso e de riquezas abundantes. Ela também se difere consideravelmente tanto da encarnação mais leve de Geraldine Page quanto da irredutível, mal-humorada e problemática versão literária.
Tudo isso é acompanhado por uma fotografia dessaturada assinada por Philippe Le Sourd, onde espetaculares cenários e figurinos de época ganham um aspecto pálido, quase como se estivéssemos assistindo a uma história de fantasmas, de pessoas que já não fazem mais parte desse mundo. Ao mesmo tempo, os ambientes externos são mais vibrantes, com especial destaque para as belas árvores, vistas já na sequência original. Contudo, isso apenas reforça o isolamento das personagens, colocando-as em um mundo distante de tudo e cercado por uma natureza semisselvagem e com aspecto de um conto de fadas.
Com isso, é possível dizer que a beleza de The Beguiled está em seus contrastes. O filme parece ser delicado, etéreo e poético, mas sua história é violenta e repleta de ressentimentos. As intenções nunca são claras e as interpretações podem ser as mais diversas. Não é sempre que se encontra um filme como esse – e esse é um aspecto que precisa ser valorizado e incentivado, pois é essencial na arte de contar boas histórias.
Outras divagações:
The Beguiled (1971)
Somewhere
Bling Ring
0 recados