Divagações: Once Upon a Time ... in Hollywood
14.8.19
Quando você se dispõe a fazer um filme que fala justamente sobre o cinema e a sua história, é impossível evitar a percepção de que você está sendo um pouco autoindulgente. Afinal de contas, se tem uma coisa que Hollywood adora fazer é dar um tapinha nas próprias costas e dizer o quão importantes ou legais eles são – já virou até mesmo uma piada dizer que para ganhar o Oscar é preciso fazer um filme sobre filmes.
Porém, Quentin Tarantino sempre foi um diretor autoindulgente e sem vergonha nenhuma de fazer os filmes que ele quer fazer. Ele deixa transparecer muito bem quais são suas influências e suas referências. Então, para um rapaz que cresceu sendo um rato de locadora e idolatrando tudo que a indústria produzia durante o pós-guerra, Once Upon a Time ... in Hollywood era a chance de não apenas entregar sua carta de amor ao cinema, como também de flexionar um pouco os seus metafóricos músculos diretoriais.
Misturando um pouco de realidade e um pouco de ficção em uma Hollywood do final da década de 1960, o filme traz as histórias cruzadas de um ator decadente de faroestes, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio); seu dublê, amigo e motorista Cliff Booth (Brad Pitt); e a atriz Sharon Tate (Margot Robbie). Ao envolver personalidades reais e outras nem tanto, o longa-metragem passeia pelo verão californiano e pela indústria da época, colocando seus personagens em uma constante rota de colisão, além de passar por diferentes pontos de vista que compõem esse cenário.
Infelizmente só tenho isso a dizer em relação à história, pois Once Upon a Time ... in Hollywood talvez seja o filme mais solto em termos de conceito que Tarantino já fez. Não existe exatamente uma linha condutora da trama ou a necessidade de um arco dramático dos personagens, com o filme funcionando mais como um recorte de tempo e espaço do que qualquer outra coisa.
Ao público, somente são apresentadas pequenas vinhetas (muitas vezes propositalmente não resolvidas) que acompanham a vida desses indivíduos, seus conflitos e ambições. Desse modo, o diretor opta por usar cada trecho como um exercício de tons, formatos e referências, deixando uma história concreta de lado para construir um panorama com um sabor bastante próprio da indústria do entretenimento da época – e, claramente, evocando a percepção afetiva que o próprio Tarantino tem do cinema.
O filme é um deleite em termos de produção, sobretudo na caracterização e nos figurinos, que basicamente dão uma enorme credibilidade ao universo – inclusive com peças usadas por algumas das figuras originais retratadas pelo filme. Aqui, Tarantino também trabalha bem com formatos distintos, que emulam filmes e programas da época. Ou seja, ele não apenas conta sobre a carreira de Rick Dalton, mas a mostra quando necessário. São estes momentos que mantém o filme constantemente interessante e fresco.
E, apesar de não se sustentar tanto em grandes sequências de diálogo e não ter um roteiro tão memorável quanto alguns dos filmes anteriores de Tarantino, Once Upon a Time ... in Hollywood sabe utilizar muito bem seus atores. Merece destaque a dupla formada por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, ambos com ótimas atuações e que funcionam tanto em conjunto como separadamente – algo surpreendente, visto que é o primeiro filme dos dois juntos. Conforme ambos vão ganhando espaço e se desenvolvendo na trama, se torna bastante difícil escolher qual dos personagens é mais interessante.
De maneira geral, a produção tem algumas boas surpresas, algumas polêmicas (sobretudo a representação de Bruce Lee, interpretado por Mike Moh) e um desfecho que não deve em nada aos outros filmes do diretor. Apesar disso, o longa-metragem é um pouco menos bem amarrado do que uma história desse tipo ensaiava – sob o risco de você esperar e esperar por algo que talvez não venha, ao menos não do jeito que você espera. Porém, o ritmo ágil e perfeitamente compassado não deixa nem de longe transparecer as quase três horas de duração, o que para mim já é uma grande conquista.
Dito isso, é impossível considerar esse um filme simples. Ele não tem temas complexos ou grandes abstrações deixadas a cargo do espectador, porém, o problema reside no fato que poucos de nós temos a mesma bagagem cinematográfica de Tarantino (alguém tem?).
Particularmente, eu sinto que o aproveitamento pleno de Once Upon a Time ... in Hollywood demanda um pouco de conhecimento e contexto que a maioria das pessoas não tem. Isso sem contar que, durante os anos retratados no filme, o Brasil não tinha acesso a tudo que era produzido lá fora. Mas esse não é um aspecto que deve retirar completamente o aproveitamento do filme; o que pode acontecer é que, talvez, algumas camadas se percam no processo (eu assumo que precisei de um pouquinho de pesquisa complementar para entender um ponto que poderia ser considerado bastante central à trama).
Mas, no fim do dia, Once Upon a Time ... in Hollywood continua sendo um filme interessante e que faz jus ao resto da carreira cinematográfica do diretor. Certamente deve agradar quem já estava sentindo falta de um dos seus filmes.
Outras divagações:
Reservoir Dogs
Jackie Brown
Death Proof
Django Unchained
The Hateful Eight
Porém, Quentin Tarantino sempre foi um diretor autoindulgente e sem vergonha nenhuma de fazer os filmes que ele quer fazer. Ele deixa transparecer muito bem quais são suas influências e suas referências. Então, para um rapaz que cresceu sendo um rato de locadora e idolatrando tudo que a indústria produzia durante o pós-guerra, Once Upon a Time ... in Hollywood era a chance de não apenas entregar sua carta de amor ao cinema, como também de flexionar um pouco os seus metafóricos músculos diretoriais.
Misturando um pouco de realidade e um pouco de ficção em uma Hollywood do final da década de 1960, o filme traz as histórias cruzadas de um ator decadente de faroestes, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio); seu dublê, amigo e motorista Cliff Booth (Brad Pitt); e a atriz Sharon Tate (Margot Robbie). Ao envolver personalidades reais e outras nem tanto, o longa-metragem passeia pelo verão californiano e pela indústria da época, colocando seus personagens em uma constante rota de colisão, além de passar por diferentes pontos de vista que compõem esse cenário.
Infelizmente só tenho isso a dizer em relação à história, pois Once Upon a Time ... in Hollywood talvez seja o filme mais solto em termos de conceito que Tarantino já fez. Não existe exatamente uma linha condutora da trama ou a necessidade de um arco dramático dos personagens, com o filme funcionando mais como um recorte de tempo e espaço do que qualquer outra coisa.
Ao público, somente são apresentadas pequenas vinhetas (muitas vezes propositalmente não resolvidas) que acompanham a vida desses indivíduos, seus conflitos e ambições. Desse modo, o diretor opta por usar cada trecho como um exercício de tons, formatos e referências, deixando uma história concreta de lado para construir um panorama com um sabor bastante próprio da indústria do entretenimento da época – e, claramente, evocando a percepção afetiva que o próprio Tarantino tem do cinema.
O filme é um deleite em termos de produção, sobretudo na caracterização e nos figurinos, que basicamente dão uma enorme credibilidade ao universo – inclusive com peças usadas por algumas das figuras originais retratadas pelo filme. Aqui, Tarantino também trabalha bem com formatos distintos, que emulam filmes e programas da época. Ou seja, ele não apenas conta sobre a carreira de Rick Dalton, mas a mostra quando necessário. São estes momentos que mantém o filme constantemente interessante e fresco.
E, apesar de não se sustentar tanto em grandes sequências de diálogo e não ter um roteiro tão memorável quanto alguns dos filmes anteriores de Tarantino, Once Upon a Time ... in Hollywood sabe utilizar muito bem seus atores. Merece destaque a dupla formada por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, ambos com ótimas atuações e que funcionam tanto em conjunto como separadamente – algo surpreendente, visto que é o primeiro filme dos dois juntos. Conforme ambos vão ganhando espaço e se desenvolvendo na trama, se torna bastante difícil escolher qual dos personagens é mais interessante.
De maneira geral, a produção tem algumas boas surpresas, algumas polêmicas (sobretudo a representação de Bruce Lee, interpretado por Mike Moh) e um desfecho que não deve em nada aos outros filmes do diretor. Apesar disso, o longa-metragem é um pouco menos bem amarrado do que uma história desse tipo ensaiava – sob o risco de você esperar e esperar por algo que talvez não venha, ao menos não do jeito que você espera. Porém, o ritmo ágil e perfeitamente compassado não deixa nem de longe transparecer as quase três horas de duração, o que para mim já é uma grande conquista.
Dito isso, é impossível considerar esse um filme simples. Ele não tem temas complexos ou grandes abstrações deixadas a cargo do espectador, porém, o problema reside no fato que poucos de nós temos a mesma bagagem cinematográfica de Tarantino (alguém tem?).
Particularmente, eu sinto que o aproveitamento pleno de Once Upon a Time ... in Hollywood demanda um pouco de conhecimento e contexto que a maioria das pessoas não tem. Isso sem contar que, durante os anos retratados no filme, o Brasil não tinha acesso a tudo que era produzido lá fora. Mas esse não é um aspecto que deve retirar completamente o aproveitamento do filme; o que pode acontecer é que, talvez, algumas camadas se percam no processo (eu assumo que precisei de um pouquinho de pesquisa complementar para entender um ponto que poderia ser considerado bastante central à trama).
Mas, no fim do dia, Once Upon a Time ... in Hollywood continua sendo um filme interessante e que faz jus ao resto da carreira cinematográfica do diretor. Certamente deve agradar quem já estava sentindo falta de um dos seus filmes.
Outras divagações:
Reservoir Dogs
Jackie Brown
Death Proof
Django Unchained
The Hateful Eight
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