Divagações: Kursk

Quando um filme demora muito tempo para ser lançado, a teoria é de que há algo errado com ele. Neste caso, a diferença de mais de um ano e...

Quando um filme demora muito tempo para ser lançado, a teoria é de que há algo errado com ele. Neste caso, a diferença de mais de um ano entre as primeiras exibições de Kursk em festivais e a estreia comercial do filme no Brasil não se devem exatamente a problemas na produção. O longa-metragem começou a aparecer nos cinemas pelo mundo em janeiro do ano passado, estreando aos poucos e sem grandes alardes em diferentes países – até chegar aqui, onde também deve ser recebido sem muita empolgação.

O desânimo é compreensível. Kursk é competente, conta uma história realmente impactante e é baseado em acontecimentos reais, mas o enquadramento da trama é questionável. Falta, por exemplo, a figura de Vladimir Putin, que estava no cargo há três meses quando a tragédia relatada aconteceu. Foi ele quem assumiu a frente nas conversas com a imprensa depois do tema ganhar proporções internacionais e, para completar, o pai dele serviu em submarinos, o que poderia dar um toque pessoal à questão.

Dizem os rumores que o personagem foi cortado em uma tentativa de focar mais na operação de resgate que no aspecto político, mas a verdade é que os dois lados acabaram recebendo uma atenção estranhamente dividida, ficando ambos incompletos e sem a dimensão emocional necessária. Além disso, também se fala em um receio do estúdio em ser hackeado, como aconteceu com a Sony e a equipe de The Interview (lembrando que a Coreia do Norte e a Rússia são nações distintas). A isso, acrescenta-se o fato de que o local das filmagens teve que ser alterado depois que o ministro de defesa russo se recusou a dar sua permissão, o que atrasou o cronograma.

Mas vamos à história! Durante um exercício naval, um submarino russo chamado Kursk sofre um acidente em grande parte derivado do estado sucateado da frota e dos armamentos do país, elementos que são somados à burocracia da própria marinha. Parte da tripulação consegue se isolar e aguarda socorro, sem saber que os mesmos fatores também atrapalham a missão de resgate. E enquanto quem está no submarino luta para se manter a sanidade e a respiração, as famílias precisam enfrentar outra batalha em busca de informações, exigindo ações mais ágeis e eficientes das autoridades.

Cada lado deste drama é representado por diferentes núcleos de personagens. Dentro do submarino, por exemplo, o líder é Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts), que precisa manter o grupo unido e ocupado. Do lado de fora, sua esposa grávida Tanya (Léa Seydoux) vive as dificuldades e o forte senso de comunidade que surge entre as famílias. Já Vyacheslav Grudzinsky (Peter Simonischek) é o responsável pelo resgate, precisando equilibrar os delicados aspectos políticos e as dificuldades da missão em si. Por fim, David Russell (Colin Firth) é um oficial estrangeiro que acompanha tudo de longe e tenta oferecer ajuda, mas esbarra no orgulho do exército e da Rússia.

Com isso, temos um prato cheio de sentimentos, conflitos e grandes dilemas, vindos de todos os lados. Se Kursk tivesse optado por se concentrar em apenas um destes grupos, o filme provavelmente já teria material suficiente. Ao optar por trazer um quadro completo, entretanto, a produção assume um aspecto grandioso e pesado emocionalmente, o que poderia resultar um grande filme – mas acaba não entregando tudo isso.

Não que o filme seja ineficiente. Pelo contrário, Kursk é agoniante e capaz de levar qualquer um às lágrimas. Matthias Schoenaerts e Léa Seydoux, especialmente, entregam um casal que funciona muito bem, mesmo que passem a maior parte do filme separados. Os dois personagens crescem e se desenvolvem ao longo da produção e efetivamente emocionam o público. Colin Firth, por sua vez, tem pouco espaço para mostrar a que veio e o texto também não o ajuda muito.

De qualquer modo, sinto que o longa-metragem falhou um pouco em alimentar a indignação e a raiva necessários, uma vez que vários dos acontecimentos narrados poderiam ter sido evitados se as pessoas envolvidas agissem com responsabilidade ou, pelo menos, compromisso com as vidas em risco. Mais do que uma tragédia, esta é uma história de descaso e desrespeito com a vida de outros seres humanos – o que, pessoalmente, acho mais grave que um acidente no fundo do mar.

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