Divagações: Heathers

A capacidade de subverter um gênero, de fazer algo novo, de chocar ou, simplesmente, de surpreender é algo que sempre deve ser recompensado ...

Heathers
A capacidade de subverter um gênero, de fazer algo novo, de chocar ou, simplesmente, de surpreender é algo que sempre deve ser recompensado – e também é algo bem difícil de fazer direito. Heathers é um filme que, até hoje, gera sentimentos conflitantes em quem o assiste, trazendo à tona sentimentos que raramente são duplicados em produções comerciais de sucesso. Afinal, esta é uma produção perturbadora (e cômica) sobre algo aparentemente mundano.

Veronica Sawyer (Winona Ryder) é uma menina bonita e popular de sua escola; daquelas que são cruéis e simpáticas ao mesmo tempo. Mas ela está cansada da futilidade e da dinâmica de seu grupinho, liderado por Heather Duke (Shannen Doherty) e que também inclui Heather McNamara (Lisanne Falk) e Heather Chandler (Kim Walker). Assim, quando aparece um misterioso aluno novo, Jason “J.D.” Dean (Christian Slater), Veronica não demora a se aproximar dele.

A jornada de amizade e o eventual romance entre Veronica e J.D., entretanto, são acompanhados por uma série de suicídios de estudantes, o que preocupa os pais e os professores, além de chacoalhar os jogos de poder entre os alunos. E Veronica está mais envolvida do que gostaria com cada uma destas mortes.

Heathers, então, mergulha neste universo adolescente que é real e absurdo ao mesmo tempo. Os temas principais estão presentes em muitas obras envolvendo escolas, especialmente considerando a clássica “high school” norte-americana, mas o caráter questionável dos protagonistas e de suas motivações dá um novo tom para a questão. É como se a tal “angústia adolescente” fosse levada a um novo patamar.

Como se não bastasse, o filme parece ter sido cuidadosamente projetado para se tornar um clássico cult. O uso de gírias é terrivelmente datado, mas funciona muito bem para representar a faixa etária (além de distanciar de forma eficiente as “meninas populares” do público); os figurinos são caricatos, sendo perfeitos para serem replicados e reconhecíveis; e os cenários são facilmente identificáveis e ao mesmo tempo irreais, dando um aspecto de sonho para a produção (ou de pesadelo).

Além disso, Heathers tem um roteiro repleto de frases e momentos marcantes, que também ficam nesta estranha fronteira entre o que é realístico e o que é exagerado e inacreditável. Há festas universitárias decadentes, comentários inapropriados sobre suicídio, amizades de conveniência, exemplos de masculinidade frágil, tentativas de estupro (e um estupro) e uma variedade de preconceitos, além de um relacionamento abusivo entre os protagonistas. Mas os personagens reagem a tudo isso como parte do cotidiano, como se não fosse nada demais.

O detalhe é que, mais de 35 anos após seu lançamento, o coração do filme ainda parece estar “no lugar certo” – e há quem interprete a produção como uma divertida lição de moral. Afinal, embora nenhum de seus personagens seja inerentemente bom ou correto, Heathers joga a carta de que se trata de uma sátira da sociedade estudantil adolescente, de modo que qualquer absurdo pode facilmente ser justificado pelo enquadramento (obviamente, sensibilidades mudam, mas acredito que a produção consegue contornar bem esta questão).

Com isso, Heathers continua proporcionando uma experiência interessante, divertida e simultaneamente perturbadora. É uma viagem para um universo alternativo que é assustadora próximo ao mundo em que vivemos.

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