Divagações: O Auto da Compadecida 2

O Auto da Compadecida
Em determinado momento de O Auto da Compadecida 2, dois personagens discutem como será se a continuação da história de João Grilo for contada. Eles especulam que muita gente vai dizer que a primeira trama era melhor, mas que ainda assim haveria curiosidade suficiente em relação à segunda. Eu acho que isso foi não apenas bem colocado, mas uma esperança sincera e realística.

Com direção de Guel Arraes (também responsável pela minissérie que foi posteriormente transformada em filme) e Flávia Lacerda, O Auto da Compadecida 2 é respeitoso em relação ao material original e seus temas, frequentemente soando como uma homenagem. Com isso, ele não tenta reinventar a roda e se contenta em simplesmente revisitar, com direito a alguns flashbacks. Confesso que eu gostaria de ver mais participações especiais do antigo elenco, mas convenhamos que boa parte dos personagens morreu, o que complica as coisas.

Dessa vez, a história acompanha as desventuras de João Grilo (Matheus Nachtergaele) após seu retorno a Taperoá, mais de 20 anos após sua morte e ressurreição, uma história contada e recontada por seu amigo Chicó (Selton Mello). Para lidar com as dificuldades financeiras e conseguir uma vida digna, João Grilo se embola em uma rede de mentiras envolvendo dois candidatos a prefeito: o coronel Ernani (Humberto Martins) e o comerciante, apresentador e dono da estação de rádio Arlindo (Eduardo Sterblitch).

Enquanto isso, Chicó se enrosca com compras em crediário ao mesmo tempo em que espera ansiosamente o retorno de Rosinha (Virginia Cavendish). O detalhe é que ele também atraiu os olhares de Clarabela (Fabiula Nascimento), a filha do coronel que acabou de voltar da capital. E, quando parece que as coisas finalmente podem se acertar, ele se depara com um novo rival, o malandro carioca Antônio do Amor (Luis Miranda).

Dessa forma, O Auto da Compadecida 2 consegue costurar um monte de pequenas histórias e mentiras dentro de uma trama maior, repetindo a estrutura já conhecida do original – embora eu acredite ser difícil superar o absurdo do gato que descome dinheiro. Enquanto antes se falava da crueldade dos patrões, por exemplo, agora entramos na já conhecida ladainha eleitoral, com compras de votos, eventos beneficentes e tudo o mais.

Já quando se chega ao julgamento final, o impacto é menor porque, sinceramente, não é possível replicar o efeito do filme anterior. Mas suponho que Taís Araújo fez o que foi possível (e Nachtergaele entregou muita versatilidade). Não sendo uma pessoa religiosa, admito que gosto mais dos argumentos do próprio Grilo aos da Compadecida.

Neste ponto, aliás, fica ainda mais evidenciado que O Auto da Compadecida 2 tentou manter o estilo teatral característico de Ariano Suassuna, com os cenários se movendo e o figurino com elementos locais, aproximando a divindade – ainda que gloriosa – dos meros mortais. Obviamente, tudo é muito caricato e direto, mas ouso dizer que isso faz parte do formato e, sinceramente, acredito que seria estranho se houvesse uma aposta maior em nuances ou grandes complexidades.

Assim como muitos outros filmes, O Auto da Compadecida 2 se alimenta da nostalgia do público e sequer tenta superar a produção anterior. Como o diálogo mencionado no início desse texto já dá a entender, não fazendo feio já está ótimo (e atraindo uma boa bilheteria, fica melhor ainda).

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