A literatura de William S. Burroughs é tão estrambólica que mesmo um de seus textos iniciais (ditos “mais lineares”) podem sem difíceis de acompanhar. Além disso, há tanto espaço para diferentes interpretações que considero particularmente interessante ver adaptações para o cinema. Assim, além da presença de uma camada visual, há também a adição de um novo olhar sobre a obra.
Queer é baseado em um dos primeiros livros do autor e, como muitos, contém elementos autobiográficos, mas sem um compromisso com qualquer verdade. O protagonista, inclusive, se chama William Lee, um dos pseudônimos de Burroughs, que realmente tinha dependência química e morou no México. O detalhe é que o original foi, em grande parte, escrito enquanto o autor aguardava julgamento pelo homicídio acidental de sua esposa, o que acrescenta toda uma camada de dor e sofrimento que não necessariamente consta nas palavras.
A história se passa nos anos 1950, enquanto o expatriado William Lee (Daniel Craig) vive no México na companhia de uma pequena comunidade de estadunidenses. Ele não parece ter um emprego fixo e costuma gastar liberalmente em bebidas e drogas, mas é um tanto quanto descuidado em outros aspectos da vida, com seu terno branco mostrando desgaste. Além disso, com a exceção da amizade com Joe (Jason Schwartzman), ele parece estar deslocado mesmo em espaços da comunidade gay.
Eis que Lee encontra um novo objetivo de vida (ou um chamado à aventura) após conhecer Eugene Allerton (Drew Starkey), um rapaz de modos frios, mas que permite certa aproximação aos poucos. Juntos, os dois partem em uma viagem pela América Latina, buscando uma misteriosa planta que pode abrir as portas para a telepatia, o que os leva até a pesquisadora Cotter (Lesley Manville). O único problema é a eventual falta de drogas pelo caminho.
Com suas temáticas bem determinadas – a vida como um homem gay, o abuso de drogas e a obsessão por telepatia –, Queer parece ser o veículo ideal para o diretor Luca Guadagnino soltar a criatividade. Seja nas sequências que mostram gestos reprimidos ou nas cenas de uso de drogas, o filme tenta traduzir visualmente a experiência de Lee. Com o tempo, as coisas começam a se tornar confusas e, sinceramente, meio assustadoras, mas acredito que isso faz parte da adaptação de um livro de Burroughs.
Confesso que eu gostaria de uma solução melhor que o filtro amarelado para as cenas no México e que não reclamaria de uma narrativa um pouco mais ágil em alguns trechos, especialmente no primeiro terço do filme. Ainda assim, Queer soa como uma obra tão autoral que fica difícil imaginar algo diferente, melhor ou pior.
Para completar, Craig está ótimo no papel, sabendo entregar a ilusão de confiança, a intimidade da insegurança e a falta de conexão do personagem de uma maneira brilhante. Inclusive, há um contraste tão grande com o resto do elenco que acredito que houve uma decisão diretorial para ressaltar a humanidade de um homem que, sob certos ângulos, não geraria muita empatia – afinal, ele poderia ser encarado simplesmente como um depravado e drogado que decidiu gastar tempo e dinheiro para ir atrás de uma bobagem.
Sem conhecer seus limites, Queer é um filme exagerado, capaz de encostar tanto no cômico quanto no assustador. Ele brinca com assincronia (especialmente na trilha sonora) e usa de uma série de recursos que vão além do texto para contar sua história. Definitivamente, é uma obra única e que honra suas origens, seja o livro de Burroughs ou a filmografia de Guadagnino.
Outras divagações:
Call Me by Your Name
Suspiria
Challengers
Queer é baseado em um dos primeiros livros do autor e, como muitos, contém elementos autobiográficos, mas sem um compromisso com qualquer verdade. O protagonista, inclusive, se chama William Lee, um dos pseudônimos de Burroughs, que realmente tinha dependência química e morou no México. O detalhe é que o original foi, em grande parte, escrito enquanto o autor aguardava julgamento pelo homicídio acidental de sua esposa, o que acrescenta toda uma camada de dor e sofrimento que não necessariamente consta nas palavras.
A história se passa nos anos 1950, enquanto o expatriado William Lee (Daniel Craig) vive no México na companhia de uma pequena comunidade de estadunidenses. Ele não parece ter um emprego fixo e costuma gastar liberalmente em bebidas e drogas, mas é um tanto quanto descuidado em outros aspectos da vida, com seu terno branco mostrando desgaste. Além disso, com a exceção da amizade com Joe (Jason Schwartzman), ele parece estar deslocado mesmo em espaços da comunidade gay.
Eis que Lee encontra um novo objetivo de vida (ou um chamado à aventura) após conhecer Eugene Allerton (Drew Starkey), um rapaz de modos frios, mas que permite certa aproximação aos poucos. Juntos, os dois partem em uma viagem pela América Latina, buscando uma misteriosa planta que pode abrir as portas para a telepatia, o que os leva até a pesquisadora Cotter (Lesley Manville). O único problema é a eventual falta de drogas pelo caminho.
Com suas temáticas bem determinadas – a vida como um homem gay, o abuso de drogas e a obsessão por telepatia –, Queer parece ser o veículo ideal para o diretor Luca Guadagnino soltar a criatividade. Seja nas sequências que mostram gestos reprimidos ou nas cenas de uso de drogas, o filme tenta traduzir visualmente a experiência de Lee. Com o tempo, as coisas começam a se tornar confusas e, sinceramente, meio assustadoras, mas acredito que isso faz parte da adaptação de um livro de Burroughs.
Confesso que eu gostaria de uma solução melhor que o filtro amarelado para as cenas no México e que não reclamaria de uma narrativa um pouco mais ágil em alguns trechos, especialmente no primeiro terço do filme. Ainda assim, Queer soa como uma obra tão autoral que fica difícil imaginar algo diferente, melhor ou pior.
Para completar, Craig está ótimo no papel, sabendo entregar a ilusão de confiança, a intimidade da insegurança e a falta de conexão do personagem de uma maneira brilhante. Inclusive, há um contraste tão grande com o resto do elenco que acredito que houve uma decisão diretorial para ressaltar a humanidade de um homem que, sob certos ângulos, não geraria muita empatia – afinal, ele poderia ser encarado simplesmente como um depravado e drogado que decidiu gastar tempo e dinheiro para ir atrás de uma bobagem.
Sem conhecer seus limites, Queer é um filme exagerado, capaz de encostar tanto no cômico quanto no assustador. Ele brinca com assincronia (especialmente na trilha sonora) e usa de uma série de recursos que vão além do texto para contar sua história. Definitivamente, é uma obra única e que honra suas origens, seja o livro de Burroughs ou a filmografia de Guadagnino.
Outras divagações:
Call Me by Your Name
Suspiria
Challengers
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