Divagações: The Descendants
30.1.12
Desde o início, The Descendants soava para mim como uma continuação espiritual de Up in the Air, afinal, nos dois temos George Clooney, narração, e alguns momentos engraçados para diluir o gosto amargo do drama de nossas vidas diárias. No final, eu não estava exatamente certo. Mesmo com algumas similaridades, temos em The Descendants um clima bastante diferente e uma abordagem de temas bem mais universais do que no filme anterior de Clooney.
Matt King (George Clooney) é um advogado havaiano que tem a sua vida mudada bruscamente após um acidente de barco que deixa a sua esposa, Elizabeth (Patricia Hastie) em coma. Além de ter que resolver os problemas familiares trazidos por uma situação como essa, King também se vê obrigado a se aproximar de suas filhas Alexandra (Shailene Woodley) e Scottie (Amara Miller), que já sofriam com o distanciamento do pai. Como se não bastasse, ele ainda tem que arcar com as responsabilidades de um grande negócio e com descobertas sobre a sua esposa que podem mudar completamente a relação com ela e com toda a sua família.
Assim sendo, acho que posso dizer que a maior força deste filme também é a sua maior fraqueza. Não sei se vocês estão acostumados com o termo, mas esta é uma obra muito mais ‘character-driven’ que ‘story-driven’, ou seja, não temos exatamente uma linha guia situacional que propele a trama para frente, mas personagens que, em face das situações, agem de modo próprio e consistente. O que quero dizer com isso? É que temos aqui um filme orgânico, com um ritmo bem próprio e agradável, mas que carece de uma espinha dorsal mais forte. Ainda que possamos nos divertir e nos emocionar com os personagens, ficamos com aquela sensação de quem nem sempre iremos chegar a algum lugar ou a alguma conclusão.
Não que isso seja ruim, afinal, é um bom filme que trata de muitos temas com sensibilidade. A morte, o casamento, a paternidade, a família, os negócios, tudo faz parte de nossa vida de modo indissolúvel e, certamente, dou crédito para o diretor, Alexander Payne, por ter conseguido integrar tudo isso de um modo coeso.
Apesar das sempre presentes críticas sobre a canastrice da atuação de Clooney – não sei se algum dia todos vão realmente considerá-lo um ator sério – na minha opinião não existe nem margem para reclamar. Mesmo tendo vários trabalhos parecidos, Clooney consegue passar com Matt King a sina de um homem que nunca teve que se confrontar abertamente com os seus sentimentos e que, portanto, não sabe lidar com eles. Ele o faz sobretudo em sua linguagem corporal, que passa bem o clima de tensão e consternação do personagem. Shailene Woodley também convence como a sua filha adolescente, mais solta e sincera do que o pai. O humor, mesmo que involuntário, fica por conta dos personagens secundários, como o ‘amigo’ de Alexandra, Sid (Nick Krause).
Enfim, recomendaria The Descendants para todos. Não é um filme dramático ou que apele demais para melodramas, mas também não deixa assuntos sérios caírem em um humor gratuito. É um retrato tão fiel da vida quanto Hollywood pode produzir, de modo que, mesmo que as situações sejam um pouco exageradas, o resultado final é coeso e verossímil. Talvez quem procurasse por uma história mais forte ache o filme um pouco arrastado ou pense que algumas cenas um pouco desnecessárias, mas de forma alguma isso estraga o resultado final. The Descendants pode não ser um filme genial que vai ficar para sempre na história do cinema, mas com certeza é um dos mais interessantes desse começo de ano.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
0 recados