Divagações: Gake no ue no Ponyo
19.6.12
Existem coisas que os adultos simplesmente não entendem. Gake no ue no Ponyo, por exemplo, pode parecer maluco e incongruente em diversos pontos, mas é simplesmente mágico para as crianças – dizem que até mesmo o diretor e roteirista do filme, Hayao Miyazaki, se surpreendeu com as reações durante sessões de teste.
Os mais chatos podem reclamar que há problemas de perspectiva, fatos absurdos (especialmente nas cenas de enchente que, naquelas proporções, poderia ter inundado boa parte do Japão), personagens estranhos e outras coisas do gênero. Mesmo assim, não podem negar a beleza de um mar vivo, animado em detalhes, ou de uma história tão pura e inocente.
Gake no ue no Ponyo acompanha o menino Sôsuke (Hiroki Doi) e sua mais nova amiga, Ponyo (Yuria Nara). Ela, na verdade, é uma criatura do mar que o menino encontrou enquanto brincava. Fugindo de um pai repressivo, Ponyo descobre nele um amigo e deseja se transformar em humana. Qualquer semelhança com The Little Mermaid não é mera coincidência, embora as duas histórias se desenvolvam de modos bem diferentes.
Afinal, longe de ser um príncipe, Sôsuke é um menino esperto e ativo, que vive com sua mãe, Risa (Tomoko Yamaguchi), enquanto seu pai trabalha no mar. O lugar onde eles vivem é uma bela casa no topo de uma colina, o único refúgio na enchente devastadora que acontece no decorrer da história. Risa, por sua vez, trabalha em um asilo e a relação entre a juventude e a velhice, um tema comum nas obras de Miyazaki, também aparece aqui.
Mesmo com Ponyo tendo poderes especiais e uma origem misteriosa, a magia que envolve a protagonista não é o grande motivador do filme. Usados de maneira inocente pela menina e de forma consciente por seu pai, os poderes representam a natureza e sua tentativa de atingir o equilíbrio em meio ao caos que se instaura.
Perto de tantas animações em 3D, o visual de Gake no ue no Ponyo pode parecer simples e sem graça. Mesmo assim, o filme aposta nos detalhes e no poder da imaginação. O fundo do mar é uma atração a parte, com peixes incríveis e outras criaturas mirabolantes. Além disso, as próprias ondas funcionam com uma dinâmica própria, que equilibra o assustador com o maravilhoso de uma maneira que apenas quem ama o mar em todas as suas sutilezas poderia imaginar.
Outro aspecto importante é que, perto de outros trabalhos de Miyazaki, Gake no ue no Ponyo parece extremamente infantil. Realmente, o filme está mais próximo de Tonari no Totoro que de Kaze no tani no Naushika, por exemplo. Isso inclui toda uma dinâmica própria que pode não funcionar bem para os adultos, mas mantém as crianças prestando atenção. Claro que os grandinhos também vão aproveitar o filme, principalmente por seu aspecto inocente e nostálgico (só não recomendo para quem está naquelas fases chatas e reclamonas).
Assim, Gake no ue no Ponyo não se apoia em recursos narrativos fáceis e conta a sua história da maneira mais fluida possível, sem pausas para músicas ou cenas que não colaboram com a história e só servem para serem fofas. Sem a necessidade de ter um vilão bem demarcado, o filme ganha em profundidade. Entre os personagens adultos, nenhum é perfeito e, exatamente como as crianças, temos vislumbres de suas personalidades complexas. De qualquer modo, sempre é um prazer assistir a uma animação feita com técnicas tradicionais, capricho e muita criatividade.
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