Divagações: Lincoln

Considero interessante como o background cultural de alguém pode alterar sensivelmente a percepção de uma obra, quer seja para melhor ou ...

Considero interessante como o background cultural de alguém pode alterar sensivelmente a percepção de uma obra, quer seja para melhor ou para pior. Digo isso porque fiquei sinceramente surpreso com a resposta fortemente negativa que alguns críticos deram a Lincoln. Era difícil acreditar que um filme de tamanho peso pudesse ser acusado de ser chato ou medíocre. Ainda assim, consigo entender os sentimentos dos que bradam que não se trata de um ‘retrato histórico fidedigno’ do presidente americano.

Em momentos assim, agradeço a nossa brasilidade, que permite aniquilar o monstro das expectativas geradas por um trabalho sobre uma das figuras mais respeitadas e queridas da história estadunidense, permitindo que o filme seja visto assim como ele é. Claro que isso tem as suas desvantagens, afinal, talvez muitos se dirijam aos cinemas esperando uma biografia completa de Abraham Lincoln, quando na verdade irão encontrar uma história que começa e termina nos seus últimos anos de governo.

No filme, a guerra civil americana vai chegando a um moroso fim e as preocupações da presidência se voltam para a aprovação de uma emenda constitucional que aboliria de vez a escravatura. Neste panorama, Lincoln (Daniel Day-Lewis) tem que lidar com a pressão realizada por seu ministro do estado, William Seward (David Strathairn) e congressistas insatisfeitos, como Preston Blair (Hal Holbrook) e Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones). Além disso, sua esposa, Mary Todd Lincoln (Sally Field), ainda se culpa pela morte de seu filho mais novo e o primogênito, Robert (Joseph Gordon-Levitt), volta para a capital desejando se desvencilhar das expectativas dos pais.

Deste modo, Lincoln se foca mais nas tensas últimas semanas antes da aprovação da 13ª emenda ir ao congresso, do que na vida ou na trajetória pessoal do presidente, como se poderia pelo título. Essa escolha não é de modo algum negativa, mas pode ter incomodado muita gente que esperava um filme mais biográfico. Exageros a parte, é bem capaz que Abraham Lincoln: Vampire Hunter tenha sido mais enfático em mostrar o passado do presidente do que este filme. Contudo, essa escolha também abre portas ao permitir que o espectador visualize situações que saem da esfera pessoal do protagonista, o que pode agradar aqueles mais chegados em uma boa intriga política.

No geral, não posso dizer que esse é um filme que nos prende pela trama intrincada ou pelas grandes surpresas – já que temos uma noção histórica do que está por vir – com isso, a responsabilidade por dar solidez ao filme fica inteiramente por conta das atuações. Nesse ponto, você pode ter certeza que elas não decepcionam em momento nenhum. O Lincoln de Daniel Day-Lewis consegue passar todo o carisma de um grande líder ao mesmo tempo que coloca o personagem no mesmo plano que todos nós, como só mais um sujeito com aspirações e maneirismos e que de modo nenhum é completamente incorruptível. Sally Field também se sustenta bem, apesar de um pouco de exagero, mas uma grata surpresa se encontra no papel de Tommy Lee Jones, que praticamente rouba a cena a cada frase proferida.

Uma crítica que pode ser feita é justamente em razão desse excessos na atuação, que vez ou outra parecem ser compassados ou floreados demais, tirando um pouco o filme da dimensão cinematográfica e colocando-o com um pé no teatro. Como a narrativa não é exatamente inovadora, os mais impacientes podem se incomodar com uma gordura ou outra no roteiro que leva a situações desnecessárias e tornam mais longas as duas horas e meia do filme.

Dessa forma, não sei se Lincoln vai agradar aqueles que não tem o mínimo interesse no processo político ou quem espera algo com um ritmo um pouco mais acelerado. No entanto, quem tem a devida paciência vai saber aproveitar todos os seus frutos. Grandes diálogos, excelentes atuações e uma produção competente fazem com que esta seja uma das melhores escolhas nos cinemas para o começo de ano.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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