Divagações: Kaze Tachinu
23.10.14
Quando Hayao Miyazaki anunciou que Kaze Tachinu seria seu último filme, as expectativas foram elevadas às alturas – assim como o potencial do filme para assuntos polêmicos. A verdade é que essa é uma obra diferente das anteriores, não é protagonizada por uma criança e os assuntos abordados são sérios, dramáticos e baseados em fatos reais. Até existe espaço para a fantasia, mas ela é relativamente mais contida que nas obras anteriores do diretor.
A história acompanha a trajetória de Jirô Horikoshi (Hideaki Anno), um rapaz com problema de visão que decide virar engenheiro de avião, já que não pode pilotá-los. Criativo e ousado, ele cresce na carreira, viaja para a Alemanha para estudar, conquista o coração de uma bela e delicada jovem chamada Naoko Satomi (Miori Takimoto) e consegue vender seus projetos para o exército. Tudo isso às vésperas da II Guerra Mundial.
Essa narrativa, mesmo abarcando um longo período de tempo, surge de uma forma praticamente contemplativa. Os anos se passam sem uma demarcação bem determinada e os personagens parecem envelhecer pouco (eles são japoneses, afinal!). A tensão provocada pela guerra iminente atinge mais diretamente os personagens secundários, sendo muitas vezes comentada como se fosse a previsão do tempo – às vésperas de uma grande tempestade, é verdade, mas algo que simplesmente virá e passará.
No fundo, o filme retrata a busca por um sonho sem exatamente explorar as suas consequências. Os aviões carregam cada vez mais bombas e o protagonista simplesmente trabalha dentro dessa indústria. O fato de ele conseguir fazer suas máquinas saírem do chão e voarem conta muito mais que o real propósito desses aviões, quase como se ele não soubesse que seu cliente era, na verdade, o exército.
Além desse aspecto, é preciso observar que Kaze Tachinu não é um filme para crianças pequenas. Os maiores talvez até consigam acompanhar os acontecimentos, mas ficarão expostos a coisas que os pais tentam evitar. Os personagens fumam um cigarro atrás do outro e até comentam a qualidade do tabaco, por exemplo (clique aqui para acessar o guia para pais, em inglês).
Ao mesmo tempo, os adultos não podem deixar de reparar nos problemas do filme. Então, fica difícil apontar qual é o público esperado. Tentando responder minha própria questão, acredito que sejam os sonhadores. Com vento presente literalmente em todas as cenas, Miyazaki está menos preocupado com os fatos reais da vida de seu protagonista que com sua obseção por desenhar o avião perfeito. A propósito, o modelo Zero, utilizado durante a guerra, é mencionado, mas não vemos seu processo criativo. Ele simplesmente não se enquadra no objetivo do filme.
Leve e prestes a voar, Kaze Tachinu nunca chega a efetivamente decolar, ficando preso ao chão por diversas amarras mal dadas. A animação é belíssima, o texto é fluído e a narrativa funciona bem, mesmo com as transições pouco demarcadas. Ainda assim, falta um pouco da poesia que esperamos de uma obra escrita e dirigida por Hayao Miyazaki. Esse não era o momento para ele se aposentar – tanto é que já foi anunciado que esse realmente não será seu último filme. E que venham os próximos!
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