Divagações: Manchester by the Sea

Quão verossímil pode ser uma obra antes de cair na banalidade? Eu me pergunto porque a distinção entre estas duas coisas pode ser tênue, n...

Quão verossímil pode ser uma obra antes de cair na banalidade? Eu me pergunto porque a distinção entre estas duas coisas pode ser tênue, não sendo raras as ocasiões em que a busca por uma pode acabar desaguando na outra. Manchester by the Sea é talvez um dos maiores culpados desse pecado ao apresentar uma obra que é tão brutalmente honesta que acaba esquecendo que uma narrativa não se sustenta sobre o usual e o ordinário, muito pelo contrário.

No filme, vemos uma fatia da vida de Lee Chandler (Casey Affleck), um zelador e faz-tudo que passa os seus dias em um apartamento apertado e em constante autodesprezo. Depois da morte do seu irmão Joe (Kyle Chandler), Lee volta para sua cidade natal com o objetivo de cuidar dos assuntos pendentes do irmão e, sobretudo, do sobrinho adolescente Patrick (Lucas Hedges). Designado como guardião legal de Patrick, Lee tem que lidar com as novas responsabilidades, superar a distância criada entre os dois e confrontar alguns traumas de seu passado, como a relação com sua ex-esposa, Randi (Michelle Williams).

Ainda que a história de um indivíduo voltando para sua cidade de origem e enfrentando os fantasmas do passado para se tornar uma pessoa melhor seja um conceito bastante comum e explorado a exaustão em diversas mídias, Manchester by the Sea não soa tão batido. Isso acontece por conta das boas atuações e do esmero técnico que o filme tem, do mesmo modo que é possível ver que ele até mesmo tenta subverter as expectativas com relação a esse tipo de trama – e é aí que estão os problemas e as qualidades da produção.

O filme trata temas como morte, perda e culpa de forma muito sensível e crível. Nem todos os personagens reagem de modo igual aos mesmos acontecimentos e cada um lida com o que acontece ao seu redor de modo muito orgânico, levando em conta a bagagem emocional que carrega consigo. Às vezes essas interações ficam com um pé no melodrama (e existe pelo menos uma cena particularmente constrangedora que carrega demais nas emoções), mas nada disso é inesperado para um longa-metragem desse tipo.

Contudo, é justamente esse realismo tão cru que torna o filme particularmente desinteressante. A trama é remendada e não existe um norte muito claro de onde ela quer chegar, sendo que as tentativas de evitar uma resolução óbvia tornam qualquer payoff emocional impossível. Os personagens são pouco empáticos e achei complicado me identificar com eles, pois não existem arcos claros de desenvolvimento. Tal como é frequente na vida real, aquelas pessoas insistem em erros, fazem decisões ruins e não têm a força necessária para mudar o rumo de suas vidas. Ainda que essa tridimensionalidade seja louvável por um lado, ela é um péssimo material narrativo, já que não saímos do mesmo lugar nas duas horas de exibição.

E isso não é algo que boas atuações são capazes de resolver. Por mais que Casey Affleck faça um ótimo trabalho como alguém amargurado, indeciso e propenso a surtos de raiva, no fim não é exatamente interessante ver um personagem que age desta forma (ainda que o comportamento seja compreensível). A participação de Michelle Williams é breve, mas também tem bastante peso, ainda que não faça muito para mudar a direção da trama.

A verdade é que Manchester by the Sea tem cara de um filme voltado para premiações, da paleta de cores sóbrias à trilha sonora que aposta (até demais) no lugar-comum. Com uma temática bastante universal, nota-se que o filme faz de tudo para agradar – e não dá para dizer que não consegue. Para os fãs de um drama mais humano, talvez esse filme acerte em cheio e arranque soluços. Porém, não há nada que o torne particularmente memorável, sendo o tipo de coisa pouco imaginativa que, mesmo sendo competente, não tem o que é preciso para se destacar nos anos que virão.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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