Divagações: The Favourite
22.1.19
Admito que, apesar de ter ouvido muitas coisas boas sobre o trabalho de Yorgos Lanthimos, ainda não tive tempo de conferir alguns filmes mais célebres do diretor – The Lobster está na minha lista de filmes para ver, eu juro! Assim, The Favourite serviu como uma introdução um pouco torta ao trabalho do diretor. Querendo ou não, o filme parece despontar como a obra de maior visibilidade feita por ele até agora; e sem perder o carão de arthouse, já que até mesmo os pôsteres ecoam a estética minimalista e geométrica do resto da sua cinematografia.
Passado nos últimos anos do reinado da Rainha Anne da Inglaterra (Olivia Colman), no início do século XVIII, The Favourite orbita em torno das relações de poder na corte e, sobretudo, na disputa pelas afeições da rainha entre sua confidente de longa data, Lady Sarah (Rachel Weisz), e a recém-chegada Abigail (Emma Stone) que, além de ser prima de Sarah, é uma nobre caída após a falência de sua família. Assim, Abigail vai trabalhar como criada na residência real, mas não esconde suas ambições de voltar à antiga posição privilegiada. Tudo isso ocorre ao mesmo tempo em que há uma guerra contra a França e um conflito aberto entre os líderes dos partidos na câmara, Godolphin (James Smith) e Harley (Nicholas Hoult).
Ainda que esse seja um enredo um pouco novelesco, The Favourite é, sem dúvida, um estudo interessante de personagem e das dinâmicas de poder na sociedade de corte. Existem múltiplos interesses em jogo que não se limitam à tríade principal de protagonistas. Inclusive, a maneira como elas interagem é dramaticamente diferente conforme as posições sociais se alteram, de modo que, em determinados momentos, quem era detestável se torna uma figura simpática e vice-versa. No final do filme, aliás, você já não sabe mais para quem torcer ou até mesmo se deve empatizar com alguém, já que, no fundo, todos estão jogando o mesmo jogo para tentar sobreviver em meio às intrigas da nobreza. Ou seja, ninguém vai deixar de fazer o que considera necessário, usando-se de sexo, mentiras, manipulações, bajulações e até de violência para avançar a sua agenda.
Isso não teria o mesmo impacto sem a força das atuações de suas protagonistas, já que todas elas estão extremamente comprometidas com os papéis e, sem dúvidas, esse pode ser considerado entre os melhores trabalhos das três. O reconhecimento dado a Olivia Colman, em especial, não é sem motivo, pois é muito bom ver uma atriz mais velha (e que havia ficado relegada a televisão britânica) finalmente se tornando mais conhecida do público internacional. E, em um filme que vive ou morre pela força de seus personagens, é preciso dizer que todo o elenco entrega um trabalho de peso, onde ninguém acaba sendo eclipsado.
Apesar de ter um tom de farsa, não considero a produção uma comédia, como alguns a vendem, pois é um filme bastante pesado. A maior comicidade está, justamente, nos absurdos e nos exageros da vida na corte. Lanthimos usa de algumas sequências descoladas da narrativa central para reforçar esse clima um pouco decadente e absolutamente alheio às dificuldades da vida plebeia. Essas inserções podem parecer um pouco estranhas e certamente vão levantar a sobrancelha de muitos por conta de uma possível pretensão do diretor, mas também não dá pra dizer que The Favourite buscava ser despretensioso.
O filme tem uma estrutura teatral, uma tipografia que vaza para a direção de arte, uma fotografia claustrofóbica, um uso bastante criativo de diferentes lentes e uma bizarríssima trilha sonora cheia de staccato e de tensão não realizada. É difícil pensar neste longa-metragem como uma obra que se contenta em ser convencional, o que torna a experiência de assisti-lo única, ainda que isso traga seu quinhão de problemas (e torne o filme um pequeno pesadelo para quem precisa falar sobre ele). Mesmo sem todo o simbolismo e as metáforas que permeiam filmes assim, The Favourite não deixa de ser uma experiência pessoal e visual.
Dessa forma, não acredito que esse seja um filme que vai agradar a todo mundo. Aliás, mesmo que você, em teoria, possa gostar destes elementos, não há garantia alguma de que a mistura irá cair bem. Obviamente, é um filme lento, sendo até mesmo longo demais e um pouco bizarro, mesmo que completamente realista em sua narrativa. Mas, para quem compra a ideia e ainda por cima gosta de um bom filme de época com todo o seu figurino suntuoso e seu clima escuro e palaciano, The Favourite é, no mínimo, interessante. Ainda que não realmente se compare a um filme verdadeiramente experimental, pelo menos ele faz o que pode para soprar um pouco as teias que recaem sobre as estruturas cansadas dos grandes dramas históricos, dando humanidade e pessoalidade para uma história que poderia ser contada com mais frieza.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
Passado nos últimos anos do reinado da Rainha Anne da Inglaterra (Olivia Colman), no início do século XVIII, The Favourite orbita em torno das relações de poder na corte e, sobretudo, na disputa pelas afeições da rainha entre sua confidente de longa data, Lady Sarah (Rachel Weisz), e a recém-chegada Abigail (Emma Stone) que, além de ser prima de Sarah, é uma nobre caída após a falência de sua família. Assim, Abigail vai trabalhar como criada na residência real, mas não esconde suas ambições de voltar à antiga posição privilegiada. Tudo isso ocorre ao mesmo tempo em que há uma guerra contra a França e um conflito aberto entre os líderes dos partidos na câmara, Godolphin (James Smith) e Harley (Nicholas Hoult).
Ainda que esse seja um enredo um pouco novelesco, The Favourite é, sem dúvida, um estudo interessante de personagem e das dinâmicas de poder na sociedade de corte. Existem múltiplos interesses em jogo que não se limitam à tríade principal de protagonistas. Inclusive, a maneira como elas interagem é dramaticamente diferente conforme as posições sociais se alteram, de modo que, em determinados momentos, quem era detestável se torna uma figura simpática e vice-versa. No final do filme, aliás, você já não sabe mais para quem torcer ou até mesmo se deve empatizar com alguém, já que, no fundo, todos estão jogando o mesmo jogo para tentar sobreviver em meio às intrigas da nobreza. Ou seja, ninguém vai deixar de fazer o que considera necessário, usando-se de sexo, mentiras, manipulações, bajulações e até de violência para avançar a sua agenda.
Isso não teria o mesmo impacto sem a força das atuações de suas protagonistas, já que todas elas estão extremamente comprometidas com os papéis e, sem dúvidas, esse pode ser considerado entre os melhores trabalhos das três. O reconhecimento dado a Olivia Colman, em especial, não é sem motivo, pois é muito bom ver uma atriz mais velha (e que havia ficado relegada a televisão britânica) finalmente se tornando mais conhecida do público internacional. E, em um filme que vive ou morre pela força de seus personagens, é preciso dizer que todo o elenco entrega um trabalho de peso, onde ninguém acaba sendo eclipsado.
Apesar de ter um tom de farsa, não considero a produção uma comédia, como alguns a vendem, pois é um filme bastante pesado. A maior comicidade está, justamente, nos absurdos e nos exageros da vida na corte. Lanthimos usa de algumas sequências descoladas da narrativa central para reforçar esse clima um pouco decadente e absolutamente alheio às dificuldades da vida plebeia. Essas inserções podem parecer um pouco estranhas e certamente vão levantar a sobrancelha de muitos por conta de uma possível pretensão do diretor, mas também não dá pra dizer que The Favourite buscava ser despretensioso.
O filme tem uma estrutura teatral, uma tipografia que vaza para a direção de arte, uma fotografia claustrofóbica, um uso bastante criativo de diferentes lentes e uma bizarríssima trilha sonora cheia de staccato e de tensão não realizada. É difícil pensar neste longa-metragem como uma obra que se contenta em ser convencional, o que torna a experiência de assisti-lo única, ainda que isso traga seu quinhão de problemas (e torne o filme um pequeno pesadelo para quem precisa falar sobre ele). Mesmo sem todo o simbolismo e as metáforas que permeiam filmes assim, The Favourite não deixa de ser uma experiência pessoal e visual.
Dessa forma, não acredito que esse seja um filme que vai agradar a todo mundo. Aliás, mesmo que você, em teoria, possa gostar destes elementos, não há garantia alguma de que a mistura irá cair bem. Obviamente, é um filme lento, sendo até mesmo longo demais e um pouco bizarro, mesmo que completamente realista em sua narrativa. Mas, para quem compra a ideia e ainda por cima gosta de um bom filme de época com todo o seu figurino suntuoso e seu clima escuro e palaciano, The Favourite é, no mínimo, interessante. Ainda que não realmente se compare a um filme verdadeiramente experimental, pelo menos ele faz o que pode para soprar um pouco as teias que recaem sobre as estruturas cansadas dos grandes dramas históricos, dando humanidade e pessoalidade para uma história que poderia ser contada com mais frieza.
Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle
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