Divagações: Mary Poppins Returns

Mary Poppins Returns é um filme que faz parte da infame categoria “continuações pelas quais ninguém pediu”. É óbvio que nem sempre isso s...

Mary Poppins Returns é um filme que faz parte da infame categoria “continuações pelas quais ninguém pediu”. É óbvio que nem sempre isso significa um desastre, mas é sempre algo complicado, especialmente quando se trata de ‘mexer’ no legado de uma produção tão querida quanto Mary Poppins (que, aliás, tem o agravante de não ter agradado a autora dos livros originais, P.L. Travers, falecida em 1996). Para completar, a distância de 54 anos entre os filmes também não ajuda muito.

De qualquer modo, temos aqui um filme que homenageia em grande medida seu antecessor. A produção usa de uma estrutura narrativa bastante similar, resgata personagens (e membros do elenco, sempre que possível) e até mesmo repete melodias em suas canções, todas inéditas. Ao mesmo tempo, o filme também não se arrisca a criar seu próprio “Supercalifragilisticexpialidocious”, por exemplo, o que é um movimento simultaneamente sábio e talvez cauteloso demais.

Na trama, passada nos anos 1930 (ou seja, pouco mais de 20 anos após as aventuras anteriores), voltamos para a casa da família Banks. Agora, é Michael (Ben Whishaw) quem tenta criar seus filhos no local, com apoio de sua irmã Jane (Emily Mortimer), que segue a tradição militante das mulheres da família ao trabalhar a favor da causa operária. Por mais que seja bem mais harmoniosa do que a geração anterior, a família ainda está se recuperando do falecimento da esposa de Michael e, no processo, eles esquecem de pagar algumas contas – o que pode custar a casa onde moram.

É nesse contexto que Mary Poppins (Emily Blunt) decide voltar a cuidar das crianças. O detalhe é que ninguém está muito satisfeito com esse retorno: o pai não está em condições de pagar um salário e seus filhos (Pixie Davies, Nathanael Saleh e Joel Dawson) acreditam que são perfeitamente capazes de cuidarem de si mesmos. Ainda assim, a mágica dessa babá e sua personalidade única não demoram em conquistar a todos.

Em suas andanças por Londres com os pequenos, ela é frequentemente acompanhada por um acendedor de lampiões públicos, Jack (Lin-Manuel Miranda). Assim como no filme anterior, o grupo faz passeios bastante inusitados, incluindo o interior de uma banheira, uma loja que vira de cabeça para baixo (comandada por Mery Streep) e as ilustrações de um vaso. Nesse processo, as crianças acabam indiretamente compreendendo melhor o pai e o ajudam a sair de suas próprias enrascadas de gente grande.

Tudo, é claro, é devidamente embalado por uma sucessão incansável de canções e por efeitos especiais adoráveis. A sequência dentro da porcelana é particularmente marcante, com um figurino muito divertido, que dá a sensação de duas dimensões, e com os atores interagindo com animações feitas da forma tradicional. Graças à insistência do diretor Rob Marshall, a Disney teve que contratar animadores já aposentados para dar conta! O resultado é visualmente impressionante e faz um paralelo muito interessante com o longa-metragem anterior.

O problema é que eu achei tudo muito legal porque assisti Mary Poppins e, na sequência, fui ao cinema para ver essa continuação. Como um filme por si só, no entanto, Mary Poppins Returns, tem dificuldades em se segurar e muitas de suas sequências já nascem datadas, como o número musical dos acendedores de lampiões, que remete à sequência dos limpadores de chaminé. Outro exemplo está nas canções de uma forma mais ampla, que se apoiam fortemente nas anteriores – tanto que eu saí da sala de cinema cantarolando “Spoonful of Sugar” e não qualquer uma das novas músicas.

Além disso, a produção perde um pouco do impacto original ao utilizar uma série de clichês. Há desde o misterioso documento desaparecido (que, se você prestar atenção, já vai saber exatamente onde está) até a figura do chefe-lobo-vilão (Colin Firth). Querendo ou não, o longa-metragem de 1964 se saiu muito melhor ao se concentrar nos dilemas familiares e na relação entre os personagens em vez de partir para uma ameaça ‘externa’.

De qualquer forma, Mary Poppins Returns consegue ter um encanto próprio, especialmente graças ao carisma de Emily Blunt e da própria protagonista. Embora o filme dependa fortemente da nostalgia do anterior para funcionar com os adultos, mas suponho que as crianças devam embarcar na fórmula sem muitos problemas. Ainda assim, arrisco dizer que o tempo não será tão amigável para essa continuação quanto foi para seu antecessor.

Outras divagações:
Mary Poppins
Nine
Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides
Into the Woods

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